sábado, 27 de setembro de 2025

I.C.E.

 Nunca te conheci,

Silverio Villegas González,

Mexicano de Michoacan,

Pai de filhos,

Trabalhador no coração do Império.

Nunca te conheci,

Mas é como se fôssemos

Velhos amigos,

É como se nas dobras do tempo

Tivéssemos partilhado infância

Copo e mesa.

Nunca te conheci,

Mas te vejo todos os dias

Na América Latina nossa

Na América Latina que expulsa seus filhos

Para serem mortos pelos abutres do norte.

Nunca te conheci,

E, se tivesse te conhecido,

Teria dito: não vá!

Fica!

Mais vale tua vida e a dos teus,

Mais vale os nossos.

Nunca te conheci

Mas ao ver teu assassinato

Senti um gosto de sangue

Como se minha carne tivesse sido cortada.

O fascismo voltou, não sabias?

Ah, mas é claro que o sabias;

Do contrário, por que teria partido?

O fascismo permaneceu e segue matando gente como nós.

Para gente da gente, é sempre fascismo.

Até que nos cansemos,

Até que os caixões sejam outros e outras as lágrimas.

Mas, desta vez, serão lágrimas de alegria,

Porque o mundo será nosso!


RP, Primavera de 2025

Em memória de Silvério Villegas González, morto pela polícia política de Trump neste setembro de 2025

domingo, 10 de agosto de 2025

Petit IV

 

Ó Petit,


Sinto fogo imenso

Derrete minha bunda

Quando no seu pau penso

Se a Parca iracunda

Seu amor não me conceder

Quero não amar nunca mais

Prefiro morrer!

Se, no da vida cais,

eu não obter

A sua parte de trás

Que o mar me trague

Que o Orco me desvaneça

Só quero que minha mão pegue

Na sua parte e que ela cresça!

Declarei-me já

Agora responda

Devo abrir uma cerveja

Ou preparar morte hedionda?


Primavera de 2024

Do futuro

 Meu estômago já provou

O gosto amargo da miséria

O peso do vazio.

Já sofri as sete pragas

Que me vergaram.

Por hora, são passado.

Mas, no rio da vida,

Onde nos banhamos

Sem repetição,

Quem conhece as misérias

Que me aguardam?

Do futuro, quem sabe?

Do futuro, qual sabe?

Do futuro, qual, sabe?


RP, inverno de 2024

Wabstratinho

 Por tentativa e erro fiz a vida,

Por vezes acertada,

Noutras sofrida,

Mas sempre bem vivida.

De azar e sorte

Fiz carreira

E de estratégia, construí um norte.

Não deixei sobreira

Amei por esporte

Me fiz homem

Me fiz gente

E o se assim não me aceitem

Não faz mal, sou ser, sou ente.

Quando dá medo,

Me torno mais valente.

Medo do arremedo

De amor, medo de não te ver novamente.

Na hora da dor, meu coração por ti bate,

Minha pele por ti sente

Tenho certo que nós dois

Vamos seguir em frente

Como feijão com arroz,

Com amor que não mente.


RP, inverno de 2024

Descrição sumária dos inimigos

 Não,

Não é a fome que me preocupa,

Mas a sede.

A sede de sangue.

Intensa, fatal.

A obsessão com o sofrimento

O modo como se organiza o mundo

Para a dor.

Não há o que baste para saciar

Essa sanha.

Melhor seria se nosso dever fosse

O gozo.

Gozo intenso, gozo forte

Fruir fundo a vida,

Essa brisa que nos leva

Esse furacão que arrasta

Essa tempestade que assola.

Os negadores,

Os anacoretas do desconforto,

Os senhores do tormento,

Os profetas dos seres imaginários,

Os escravos do papel,

Os duques da moeda:

Eis o inimigos que não gozam.

Quando o humano aproveita,

É o próprio tempo que para.

É o tecido do universo

Que conosco vibra.

É a vida mesma que pulsa.

Não,

eles não gozam.


RP, inverão de 2024

Compromisso

 Quase não canto

A beleza da vida

Talvez por que a terra

Me pareça sofrida


Quase não falo

Da graça da população.

Se ela tivesse unidade,

Seríamos nação


Raramente digo

Como é bom respirar.

Pudera: tempo todo

Me concentro em não sufocar.


Mas há os os animais

Os bichinhos, as plantas

O solo mesmo e tais.


Estamos convosco.

Se vencermos,

Terão muito mais.


S.C. verão de 2024

Abstratinho II

 A fumaça eleva-se tórrida

Das plantações.

O sol já deitou seus raios

Que fulminam a terra

Cessando, enfim, o calor.

Mas, nas dobras do peito,

Há uma brasa, um ardor.

Não é solar

Nem puro fruto do coração.

É o desenrolar da vida

E do sentimento,

São os espíritos animais

Levando movimento aos membros.

É o cio da sensação

Que arrebata e conduz.

É o pensamento fixo,

Não nas montanhas ou nos lagos

Ou nos arcaicos paradoxos,

Mas pregado no corpo: no teu.

Mira certa na alma: a tua.

Desejo de expandir o quentume,

De me locupletar

Nas suas reentrâncias e protuberâncias,

De me saciar na tua fonte coberta

Oásis no deserto do ser.


S.C., verão de 2024