Aquilo que os sábios tolificados
Cantaram como divino,
Ó imensidão negra que se derrama
No sem fim de sistemas estelares,
Peço que reveles como mudo
E sem alma,
Universo ingente,
Pelos cosmos estendido.
Sendo desprovido de espírito,
É mera convenção a ti dirigir-me
Como é mera convenção todo o resto,
Especialmente a crença no além túmulo
E no etéreo que habitaria a matéria.
Já me deste tudo que preciso
Para cantar o hercúleo de tuas proporções
Para que o mais comum dos mortais caia em si
E repare bem que nos entremeios do ser,
nas dobras recônditas do universo infindo
Nada há de inefável ou secreto
Senão a mesma arte que lhes permite.
Porque é por arte que chegamos até aqui
E há de ser pela mesma que nos espalharemos,
Tal rama de abóbora,
Por outros confins
Até que todo o universo se nos seja casa,
Até que anos luz
Nos sejam segundos
E a estrutura mesma do existente
Só guarde mistério para o bruto que não quiser se formar na decifração do infinito.
Assim, Universo, massa gargantíca,
Te invoco não por ti mesmo,
Mas pela tolice de meus com-espécies.
Preparaste já o caminho,
Na longa estrada da humanidade,
Lufada de vento para ti,
Mas existência toda para nós;
Nos forneceu terra, ar e viandas,
Deu-nos o solo fértil onde pudemos brotar
Acepipes e legumes
Onde fizemos pascentar as bestas.
Agora é hora de cantarmos em teu louvor.
Não basta, veja bem,
O adubo que brota da geia e do átomo;
Por isso não há civilização das vacas nem peixicidade:
É mister o gênio, a invenção, o fogo prometeico
Da inteligência, a qual, por ora, apenas humana sabemos.
Assim, tendo em vista formar
Com arte e artifício
O humano rústico e entregue aos desvarios da humanidade,
Vou cantar a história do mundo e da inteligência,
Não no miúdo, é certo,
Mas no geral, segundo a força da espécie,
e no particular, conquanto concerna à ilustração de minha gente.