quarta-feira, 16 de julho de 2025

Sobre a natureza do cosmos

 Aquilo que os sábios tolificados

Cantaram como divino,

Ó imensidão negra que se derrama

No sem fim de sistemas estelares,

Peço que reveles como mudo

E sem alma,

Universo ingente,

Pelos cosmos estendido.

Sendo desprovido de espírito,

É mera convenção a ti dirigir-me

Como é mera convenção todo o resto,

Especialmente a crença no além túmulo

E no etéreo que habitaria a matéria.

Já me deste tudo que preciso

Para cantar o hercúleo de tuas proporções

Para que o mais comum dos mortais caia em si

E repare bem que nos entremeios do ser, 

nas dobras recônditas do universo infindo

Nada há de inefável ou secreto

Senão a mesma arte que lhes permite.

Porque é por arte que chegamos até aqui

E há de ser pela mesma que nos espalharemos,

Tal rama de abóbora,

Por outros confins

Até que todo o universo se nos seja casa,

Até que anos luz

Nos sejam segundos

E a estrutura mesma do existente

Só guarde mistério para o bruto que não quiser se formar na decifração do infinito.

Assim, Universo, massa gargantíca,

Te invoco não por ti mesmo,

Mas pela tolice de meus com-espécies.

Preparaste já o caminho,

Na longa estrada da humanidade,

Lufada de vento para ti,

Mas existência toda para nós;

Nos forneceu terra, ar e viandas,

Deu-nos o solo fértil onde pudemos brotar

Acepipes e legumes

Onde fizemos pascentar as bestas.

Agora é hora de cantarmos em teu louvor.

Não basta, veja bem,

O adubo que brota da geia e do átomo;

Por isso não há civilização das vacas nem peixicidade:

É mister o gênio, a invenção, o fogo prometeico

Da inteligência, a qual, por ora, apenas humana sabemos.

Assim, tendo em vista formar

Com arte e artifício

O humano rústico e entregue aos desvarios da humanidade,

Vou cantar a história do mundo e da inteligência,

Não no miúdo, é certo,

Mas no geral, segundo a força da espécie, 

e no particular, conquanto concerna à ilustração de minha gente.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Ricardo Reis

 Não quero, Marcela,

A tristeza de teus últimos suspiros

Nem o desespero aflorante em tuas linhas.

Me dirijo à leveza da chuva que cai

Ou à tranquilidade do filósofo que atingiu a verdade.

Por que essa agonia?

O que tanto te dói do mundo?

Que seja vão?

Que não haja propósito?

Que a vida não tenha sentido?

Há sentido demais na falta de sentido,

Pense bem

Se houvesse sentido,

Se houvesse um divino que,

Flanando ébrio no veio íntimo da matéria,

Se nos impusesse escolhas e acepções,

Que nos sobraria senão a revolta?

A verdade, Marcela, é simples como o pensamento de um tolo;

A verdade, Marcela, é mais expressa no poema

Do que na ciência:

Se lha agarramos toda com intuição,

Com o súbito dar-se conta,

Após a noite de estudos.

Não me digas que devemos chorar

Pelo fundo ausente do significado.

Bem ao contrário,

Da indiferença ríspida das rosas

Advém sua beleza

Da transparência profunda do ser

Surge o solo de aí estarmos.

Então, não te apresses:

A terra há de nos devorar, é certo.

Até lá, toma teu licor

E aprecie o lento transcorrer

Mudo-tagarela do mundo.


R.P., inverno de 2025