segunda-feira, 14 de julho de 2025

Ricardo Reis

 Não quero, Marcela,

A tristeza de teus últimos suspiros

Nem o desespero aflorante em tuas linhas.

Me dirijo à leveza da chuva que cai

Ou à tranquilidade do filósofo que atingiu a verdade.

Por que essa agonia?

O que tanto te dói do mundo?

Que seja vão?

Que não haja propósito?

Que a vida não tenha sentido?

Há sentido demais na falta de sentido,

Pense bem

Se houvesse sentido,

Se houvesse um divino que,

Flanando ébrio no veio íntimo da matéria,

Se nos impusesse escolhas e acepções,

Que nos sobraria senão a revolta?

A verdade, Marcela, é simples como o pensamento de um tolo;

A verdade, Marcela, é mais expressa no poema

Do que na ciência:

Se lha agarramos toda com intuição,

Com o súbito dar-se conta,

Após a noite de estudos.

Não me digas que devemos chorar

Pelo fundo ausente do significado.

Bem ao contrário,

Da indiferença ríspida das rosas

Advém sua beleza

Da transparência profunda do ser

Surge o solo de aí estarmos.

Então, não te apresses:

A terra há de nos devorar, é certo.

Até lá, toma teu licor

E aprecie o lento transcorrer

Mudo-tagarela do mundo.


R.P., inverno de 2025

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