A escola não é um lugar isento de disputas, como não o é a sociedade como um todo. Envolta em pugnas de toda ordem, é nesse espaço tumultuoso que o professor deve exercer seu ofício. A escola reflete os conflitos sociais visto que, quando se passa pelos seus portões, não se apagam os estigmas preexistentes, as ideias, as posturas. À essa massa de prélios socais, vem se juntar alguns especificamente pedagógicos, como a relação entre dos professores entre si, com os estudantes e com o corpo diretivo da escola. Não, a escola não é pacífica, mas entremeada de questões e enfrentamentos.
O professor deve seguir um currículo elaborado pelas altas capas governamentais e, assim, formar os estudantes em uma certa perspectiva. A educação, enquanto forma de reprodução dos valores de uma sociedade, é pensada como forma de perpetuar os fundamentos dessa formação social. Não poderia ser diferente: qual sociedade escolheria seu próprio fim, educando as crianças e jovens para destruí-la? Mas, nos interstícios do sistema, ainda é possível encontrar brechas para uma educação que questione os fundamentos mesmos da atual sociedade já que, na sala de aula, são estudantes e professores que se encontram no fazer pedagógico.
Nesse sentido, o professor tem uma escolha a fazer, especialmente os de humanidades: trabalhar no sentido de perpetuar a atual sociedade ou buscar dotar os estudantes de um instrumental crítico que lhes permita deliberar e refletir criticamente sobre as mazelas de nosso mundo e se posicionar no cosmos não como sujeitos inermes e inertes, mas como ativos construtores de um novo mundo — ou defensores conscientes da ordem atual, já que a maio parte das pessoas simplesmente age sem refletir sobre a estrutura social, apenas reproduzindo atitudes e pensamentos herdados ou adquiridos via religião, mídia, educação familiar, convívio com os amigos, etc. Ou seja, é uma reprodução inconsciente de tudo que possuímos de bom — e de ruim, claro.
O professor crítico luta contra a direção da escola e o currículo oficial. Neste, conforme vimos, se prima pela reprodução da ordem atual. A direção da escola, enquanto porta-voz e lugar-tenente das autoridades do Estado, geralmente irá defender as diretrizes oficiais e buscar enquadrar os professores desviantes. Claro, sempre é possível uma diretoria que entenda o próprio papel questionador das humanidades, mas isto é, cremos, exceção. A maior parte da burocracia escolar está preocupada com a manutenção de sua própria posição e irá lutar para mantê-la assim ou, até mesmo, encontrar outra mais vantajosa.
O professor luta também contra os demais docentes. A maior parte reproduz a ordem, mesmo sem saber. Alguns serão fanáticos prosélitos da direção e de seu papel; outros, simplesmente esgotados pelas condições de sua vida, se deixaram vencer pela rotina e simplesmente desistiram de qualquer briga. O desânimo, a falta de sentido, a repetição dos mesmos conteúdos, os baixos salários, o desprestígio social, etc., tudo isto pode atingir o profissional da educação, como também de outras áreas. Desistentes e renitentes são obstáculos na vida do professor crítico e podem mesmo se tornar inimigos abertos.
Os estudantes são outro empecilho. Destinatários formais da educação, o elã da juventude, uma estrutura burocratizada, as drogas, a descoberta do próprio corpo e da sexualidade, a simples necessidade de se sentir acolhido ou se destacar, etc., tudo isso são barreiras que o professor precisará superar, sendo crítico ou não. O estudante é o tesouro da escola, mas um tesouro que pode se tornar amargo, tal qual fel, e impedir o professor de um trabalho crítico com os demais estudantes interessados.
O próprio Estado e setores conservadores da sociedade podem se constituir sério impedimento ao trabalho do professor. Leis e movimentos, como o Escola sem partido, vêm tentar minar o trabalho crítico que alguns professores entabulam no ambiente escolar em benefício de um ensino pasteurizado, que silencie a luta dos oprimidos e dê vazão ao que de pior as humanidades produziram. Uma escola completamente neutralizada para as forças progressistas, mera extensão da fábrica, da igreja e da família, instituições normalmente conservadoras. Claro, sempre se pode indagar o que se quer conservar de uma sociedade falida; mas é exatamente a possibilidade desta pergunta no ambiente da escola que as forças do atraso tentam impedir.
O professor pugna, portanto. E as condições são adversas. Não se faz a guerra com um exército de um soldado só. No conflito social, não existem heróis, uma concepção que insufla o individualismo e a busca de salvadores, quando a maior lição que podemos dar aos estudantes é que o único que ode salvar o povo é o próprio povo organizado coletivamente. Assim, é mister encontrar aliados; eles existem e não são poucos. Funcionários insatisfeitos, outros docentes críticos, o sindicato, setores progressistas da sociedade. Não te desespera professor. Na tua luta, conta com amigos. Não te deixes abater, mas levanta e pensa que as transformações históricas são feitas por acúmulos que, ora ou outra, explodem e dão vazão aos interesses dos marginalizados. Persiste, que, cedo ou tarde, poderemos vencer e dar à educação um caráter transformador, formando sujeitos que intervenham na sociedade conscientes de si, sujeitos livres. O desespero é o atalho para a vitória do inimigo. Estamos em guerra: porta-te como soldado e resiste. Amanhã, o sol brilha de novo, trazendo esperanças aos que se colocam ao lado dos desprezados do mundo.
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