A situação atual se define por uma série de forças em conflito e uma situação crítica cujo desenlace não está dado. Basicamente, na arena mundial, disputam alguns polos de força inimigas, cujos objetivos são contrastantes. De um lado, o liberalismo, cujo hegemon segue sendo os EUA, com o apoio da EU e de alguns outros Estados. De outro o bloco sino-russo, com apoios importantes em outras potências de menor calibre.
O
liberalismo, tal qual se deu historicamente, era uma teoria que fundamentou a
prática de diversos setores sociais, sobretudo às classes médias e burguesas,
contra o absolutismo e os privilégios do rei. Seu período de apogeu, o século
XIX, viu os impérios coloniais se expandirem e a assim chamada missão civilizatória
do homem branco, ser enfiada goela abaixo ao mundo todo. Aos sequazes dessa teoria, não lhes
parecia incoerente apregoar um sistema que se diz calcado na liberdade através
dos métodos mais violentos e repressivos. Liberdade, para essa camarilha,
significa a prerrogativa de impor seu poderio industrial e político, enquanto
extrai matéria-prima, com base em uma mão-de-obra sem direitos, e regimes
autoritários.
No
seio mesmo das nações industrializadas, entretanto, a classe operária, liderada
primeiro por reformadores sociais, depois por anarquistas, por fim, sob a égide
de vários tons de marxismo, se assomava como inimigo interno a combater, em
benefício do lucro crescente das capas burguesas. Após a luta pelo saque
colonial, que se constituiu a Iª Guerra e a consequente onda de sublevações
operárias, sobretudo na Rússia e na Alemanha, a resposta política foi o
fascismo e a imposição, aos povos europeus, dos métodos que as potências
imperialistas impunham ao mundo colonizado. O medo da revolução em países como
os EUA, França e Inglaterra, especialmente após a crise de 29, impôs que essas
classes dominantes fizessem uma série de concessões a fim de manter seu
império.
Vencida
a Segunda Guerra pelas potências, e com o avanço da Rússia soviética, os EUA,
novo pólo do capitalismo global, concertou seus aliados a fim de fazer frente à
ameaça. Coma revolução chinesa e as distintas lutas anticoloniais, muitas das
quais ocorridas sob a égide dos comunistas e anarquistas (em menor número), o
bloco da OTAN impôs uma série de cabeças-de-ponte e atuou no sentido de formar
vitrines a fim de contrastar com o bloco comunista. Assim se explica o rápido
desenvolvimento de nações pobres ou combalidas, como Coréia do Sul e Japão. O
liberalismo econômico, tão propalado anteriormente, havia sido abandonado em
benefício dos instrumentos que fizeram a potência das potências: ação estatal,
estratégia industrial, etc.
Os
dois blocos, capitalistas e comunistas, se enfrentavam em todas as frentes e
buscavam disciplinar os Estados de seus próprios blocos ou que eram
considerados como área de influência natural, como os países da AL ou aqueles
do Leste europeu. Ambas as potências intentavam, por outro lado, enfraquecer o
bloco adversário, estimulando dissidências, por exemplo. Travou-se uma guerra
de aproximação indireta, assim, tal qual define Liddel Hart e Beaufre, a arma atômica
impedindo o uso direto da força entre as potências.
Mas,
especialmente nos EUA, a questão racial constituía um forte entrave à plena
aplicação de seu poderio, de modo que os negros e boa parte da classe operária,
especialmente após o choque do petróleo, foram combatidas por todos os meios. A
fim de explorar as dissidências no outro bloco, os EUA adotaram uma política de
aproximação com a China e, de um só golpe, de enfraquecimento de sua classe
operária. Ávidos por lucros, os empresários da maior potência do planeta
transferiram suas plantas industriais para o longínquo leste asiático,
neutralizando, assim, sua outrora poderosa classe trabalhadora. A imposição de uma política de choque, que
quebrava os pactos do período anterior, privatizando direitos e empresas e
impondo um arrocho salarial, agora poderia ser levada adiante.
Nos
países periféricos, especialmente aquelas da América Latina, impôs-se um
retrocesso e uma política de desindustrialização maciça, evitando, assim, os
ricos de uma sublevação proletária, e, no mesmo marco, através das maciças
privatizações, um novo nicho de lucros para as empresas do eixo Atlântico Norte
do capitalismo.
O
que não foi previsto pelos analistas da OTAN foi o forte crescimento industrial
e tecnológico da China, nem mesmo a retomada de uma política ativa por parte da
Rússia, ou o crescimento de empresas indianas e, até mesmo, do tímido
capitalismo brasileiro. Pelo tamanho de suas populações e papéis locais de
liderança, o hoje bloco do BRICS, recentemente alargado, vê-se em posição de
contestar a liderança da OTAN direta e indiretamente, o que deve gerar cada vez
mais conflitos represados.
No
Ocidente, há três forças em conflito: os liberais clássicos, que visam
aprofundar e desdobrar alguns princípios de sua tradição tal qual seu deu e, ao
mesmo tempo, neutralizar grupos potencialmente revolucionários, como
homossexuais, negros, mulheres e etc. Ou seja, neste quesito, o liberalismo
ainda pode ser progressista, mas esbarra em seus próprios limites enquanto teoria
social, uma vez que, ao mesmo tempo, buscar privatizar direitos e aprofunda as
desigualdades sociais.
Outra
força é a do neofascismo. Os fascismos, já se disse, nascem de revoluções
frustradas. No caso atual, nasceram de movimentos populares que foram
derrotados no período precedente. Diante de injustiças sociais e opressão, toda
uma leva de governos ditos progressistas se alçaram ao comando dos principais
países e mesmo daqueles periféricos. Até mesmo nos EUA, com Obama, falava-se em
mudanças. Como estas não vieram ou não ocorreram no volume esperado, impõem-se
um retrocesso civilizacional. Mas há diferenças; enquanto no centro do
capitalismo, as extremas-direitas são, sobretudo, estatistas, anti-imigração (calcadas
em um racismo descarado ou confeitado), na periferia, a fim de contornar a
crise, impõe-se o saque privatistas, seja de recursos naturais, seja de
direitos e de empresas públicas.
A
terceira força é a social-democracia a qual, em partes, aderiu ao
neoliberalismo, mas em um tal que busca conservar, ainda, algum papel ao
Estado. É uma força diminuta nos EUA, mas com certo peso social nos países da
América Latina.
Já
no distante Oriente, a China desponta como potência de primeira grandeza.
Afirma não buscar a hegemonia, clara manobra diversionista. Os chineses são
pacientes, como seu famoso livros dos estratagemas mostra. Sabem esperar e a
lei da gravidade demográfica e econômica trabalha a seu favor. Não se
constituem como uma nação aberta aos princípios do liberalismo, como direitos individuais
e liberdades políticas. Destarte, seu domínio pode impor retrocessos. Ao mesmo
tempo, a noção de coisa pública é mais desenvolvida e o papel do Estado é
predominante, em um claro contraste com o privatismo do Ocidente.
A
Rússia é a principal potência reacionária do globo, um verdadeiro Estado
mafioso e ressentido de sua perda de influência. Na política interna, impõe
retrocessos e não compartilha, tal qual a China, da defesa das prerrogativas
individuais, a tanto custo obtidas no Ocidente. Além disso, a Igreja Ortodoxa
exerce profunda influência no nomos do país. No plano externo,
envolveu-se em uma aventura na Ucrânia, com alto custo de vida, mas conseguiu
escapar às sanções ocidentais. Viu, assim, sua própria estratégia indireta, que
ela soube se valer tão bem no século XX, ser aplicada contra si mesma.
No
conjunto, desenha-se uma luta encarniçada entre um mundo unipolar, caduco e
quase falecido, e uma ordem multipolar, com os conflitos que lhe são próprios,
talvez esmaecidos pela arma atômica. A crise climática, além disso, impõe que
ou mudanças se processem imediatamente, como apregoa a esquerda e parte dos
liberais, ou vivamos o holocausto climático. A extrema-direita, negacionista e
crítica á ciência, ademais com forte cariz religioso (e o seu “que o homem domine sobre
as bestas da terra e do mar”), financiada pela indústria do petróleo,
latifundiários, e outros interesses não confessáveis, busca impedir que as
reformas necessárias sejam feitas. Os liberais tentam implementá-las a fim de
se impor mudanças que mantenham o jogo como está, em última instância.
Quais
expectativas retirar de tudo isso?
A
esquerda no Ocidente, para lisada e desprovida de sua base de apoio histórica,
a classe operária industrial, se vê combalida e sem grande força. Os planos de
reindustrialização, que a social-democracia almeja na periferia, e a extrema-direita
quer impor no mundo dito desenvolvido, podem ser benéficos a médio prazo no
sentido de rearmar socialmente um discurso progressista. Mas, no curto prazo,
especialmente no centro isso teria custos muito substanciais, uma vez que
fortaleceria os setores mais radicais das direitas e granjearia o apoio de
parte expressiva da população. Na periferia, especialmente no caso do Brasi, o
gigante que esteve de joelhos nos últimos anos, a reindustrialização joga um
papel muito positivo e pode reordenar todo o quadro global, uma vez que o
Brasil possui os recursos necessários para se impor como potência. A ver.
No
quadro atual, a revolução socialista segue escanteada. Os países que fizeram
revolução, devem resistir, esperando por ventos favoráveis. Por outro lado, o
projeto ultraliberal del Loco Milei vai abrir uma nova onda de lutas
populares na Argentina, país com uma esquerda mais forte que a brasileira, onda
esta que pode contaminar os demais países da região e, mesmo, do Sur global.
Já
disse Yeats, há mais de um século, "as coisas se dividem, o centro não pode
aguentar”. No cenário atual, o liberalismo tenta impor mudanças antes que a
extrema-direita condene o planeta, ou uma alternativa socialista se esboce.
Oxalá as forças populares levantem-se e imponham um futuro socialista à
humanidade.
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