sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O fim do macho


Como todas as coisas grandes, começou pequena. Um elefante, em um dia já longínquo, já foi apenas um minúsculo espermatozóide. Hitler e Mussolini, antes de se tornarem estas figuras odiosas, foram somente soldados, um dentre tantos, nas linhas de frente da Primeira Guerra Mundial. Mas, como fermento, cresceu. E se agigantou sem que ninguém soubesse dar respostas, nem mesmo os mais famosos cientistas do planeta. A origem, hoje é clara: uma pequena cidade do interior do Brasil, justamente lá onde a figura do macho é a mais forte. Macho de machão, aquele que não leva desaforo para casa, vive de sua honra, à guisa samurai, raspa a peixeira no chão e canta alto, igual a estes galos de terreiro, que acordam os vizinhos com sua voz alta e estridente. Que tenha começado pequena, há de ser lição a nossas crianças, para que não desanimem de suas metas, objetivos, perspectivas. O irônico é que, ao que parece, principiou-se como uma doença que atingia galinhas, em um primeiro momento, mas que logo se expandiu para os galos galináceos, daí para os bodes, logo para o macho superior, esta besta fera de duas patas, o homem.

            De que se deu? Era uma espécie de gripe, forte, com espaços e sangramento. Terçã e malsã, transmitia-se pelo ar, o menor contato sendo suficiente para apanhá-la. Era forte — e letal. Do interior do Brasil, espalhou-se pelo mundo, atingindo os grandes centros. Primeiro, Recife, logo todo o nordeste; enfim, São Paulo e Rio, as portas de entrada do país. Daí para ir fazer um tour na Europa e na América do Norte, foi um passo, realmente, um pequeno passo. Os jornais noticiavam, os homens andavam nas ruas com máscaras, evitavam contato com outros homens. Mas, como o destino é engraçado, eram justamente nas barbas, nos fios dos cabelos do peito e na genitália e na cerveja, que o vírus se alojava e encontrava guarida. E não ficou restrita a humanos, infectando todos os malfadados machos do planeta.

            Era uma gripe que matava em questão de dias, imobilizando, provocando alucinações pantagruelescas. A pele inchava, os olhos ficavam vermelhos e saltavam, surgiam purulências verde-musgo em toda a pele, como na varíola. Foi cognominado “o vírus do macho”, porque só atingiam representantes masculinos das espécies. Houve uma verdadeira corrida contra o tempo para mitigar seus efeitos, mas, ao cabo de um ano, todos os machos do planeta se encontravam mortos. Enfim, o sonhos de algumas feministas, como Solanas: o macho reduzido à condição de merda, merda mesmo, esterco, substrato de bactérias.

            Em um primeiro momento, as viúvas se aglomeravam, chorando seus finados esposos, talvez, podemos dizer mordazmente, com saudades das brigas, das cacetadas, do descaso e pretensa superioridade masculina. Mas, é o que a filosofia e a ciência vêm apontando já faz alguns séculos, os fatos falam mais altos. Repentinamente, os níveis de criminalidade diminuíram. As cervejas no bar já não redundavam mais em brigas contra ou a favor do Flamengo. A violência doméstica caiu desmesuradamente, indo a níveis baixíssimos. Já não havia mais disputas sobre abaixar ou não a tampa do vaso, nem sobre participação das mulheres na política. Agora, o mundo parecia se aquietar, e, finalmente, havia chegado o tempo do progresso.

            Não sem custos, óbvio. Agora, todas as crianças, e filhotes em geral, eram feitos em laboratório, graças às mais finas técnicas de manipulação genética, as quais, outra ironia, os próprios machos ajudaram a desenvolver. Mas, mesmo com a maquinaria biotecnológica, só nasciam fêmeas, algo intrigante. Ao que parece, o vírus infectou mesmo as mulheres, alterando seu DNA, de modo a que somente representantes do sexo feminino fossem gerados. É, já escreveu Darwin, este macho sagaz, sobre a evolução das espécies, pressagiando seu próprio fim enquanto subespécie. O mundo marchava, a terra se movia, dando lume a um novo planeta, uma nova civilização, a civilização da xereca.

            Claro, como dito, houve lamentos. Nenhuma mãe perde seu filho sem lástimas. Mas, agora, o globo era dominado pela língua universal. Nos dias de TPM, obtinha-se folga do emprego. Os casos de pedofilia haviam baixado drasticamente. Já o estupro, praticamente desaparecera. Agora, o mundo pertencia às lésbicas, com suas gírias seu jeito, sua ginga pró´ria.

            O mundo sem o macho renascia, dotado de um encanto todo seu. Engenheiras, cientistas, mecânicas, políticas. Levou certo tempo, mas o trauma foi superado. Agora, o século era das mulheres. Agora, vivemos em paz.

           

                       

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