“Καὶ διὰ τοῦτο τὴν ἡδονὴν ἀρχὴν καὶ τέλος λέγομεν εἰναι τοῦ μακαρίος ζῆν” (Epicuro, Carta a Meneceu)
“E, por isso, pois o prazer princípio, fundamento, comandante e finalidade, dizemos, ser da vida feliz”
Epicuro tem me conquistado. Uma doutrina que faz falta no mundo contemporâneo e uma das mais odiadas. Não à toa Olavo elege Epicuro como um de seus principais inimigos. Epicuro formula uma espécie de materialismo atomista ainda no século IV antes da Era Comum. Mas há muita diferença em relação ao atomismo de Leucipo e Demócrito, de um lado, e o de Epicuro. Essa diferença foi tema da tese de doutorado de Marx. Uma das principais é que os atomistas mais antigos eram deterministas, ou seja, não acreditavam que existisse, no kosmos, um papel da liberdade, como bem nota Marx. Com a doutrina do klinamen, Epicuro, glosado por Lucrécio, introduziu a liberdade no mundo matéria. O klinamen nada mais é senão o desvio que os átomos realizam em sua queda perpétua, um desvio regido tão somente pelo acaso.
Somos livres, essa é uma das lições de Epicuro, que ocorre justamente em um momento de grande crise na Hélade, com os herdeiros de Alexandre Magno disputando o controle do reino e as antigas divindades patronas de cada cidade, com a religião cívica que caracterizou todo o período prévio, caindo em desuso.
Somos livres e devemos evitar a dor e buscar o prazer. Para evitar a dor, devemos ter tranquilidade na alma, ou, um estado de imperturbação, ataraxia. Segundo Epicuro, a infelicidade se origina sobretudo do temor dos deuses e do medo da morte. Para ele, existem deuses, mas eles não se ocupam dos negócios humanos, de nada adiantando que rezemos ou os receemos; estão vivendo suas vida imortais em perpétua alegria e de nada adianta crer que eles se doam quando deixamos de lhes render homenagens. Apesar disso Epicuro, como nota Festugière, rendia homenagens aos deuses e participava dos cultos. Mas ele não compartilhava da superstição de seus concidadãos atenienses, os quais enxergavam até mesmo nos mais corriqueiros fenômenos presságios de mau agouro ou ira dos deuses. A passagem de um cometa era ocasião não de júbilo, como hoje, mas de temor que persistiria por muito séculos, Já que até mesmo Bayle, o autor do mais famoso dicionário filosófico da modernidade, escreveu um livro, no século XVII E.C. para acalmar a populaça em relação aos cometas. Epicuro é contra as crendices, contra a superstição e quis livrar os gregos desse medo excessivo, especialmente reforçado com o ganho de peso da astronomia, pelas mãos dos herdeiros de Platão, como Eudoxo.
O outro medo, o da morte, também é vão segundo Epicuro, já que, uma vez mortos, nada sentimos. Nossos átomos se reorganizam e seguem seu curso, em um mundo eterno e infinito. Não há Hades, não nem punição nem recompensa, apenas o descanso eterno.
Em um mundo em crise, Epicuro enxergava na amizade e nos seus prazeres o maior dos bens. Ter amigos, ou seja, constituir um grupo social onde podemos nos dar tal qual somos era enxergado por ele como uma dádiva.
Contra esse ensinamento edificante, Olavo dirige os mais duros ataques, exatamente porque as crenças de Olavo se baseiam no medo e na mortificação. Medo do comunismo, medo da esquerda, medo de afirmar a vida. O que dizer de uma religião, como a de Olavo, que cultua um homem sendo torturado? O que dizer de uma religião que busca implementar uma ascese física e moral e, no lugar de explicações, nos oferece mistérios, que não se sustentam diante de um humano que saiba se valer de sua razão? O que dizer de uma religião que pensa que o pecado é a marca do humano, amaldiçoado para todo o sempre, e que, desse pessimismo ontológico, quer erigir uma religião que oferece a salvação somente com martírio, nunca com prazer.
O gozo do cristão é a morte da vida. Não há espaço, em uma vida feliz, para as religiões abraâmicas. Ou a felicidade nesta vida, a única que há, como nos propõe Epicuro, ou uma vida cheia de temores, mal vivida e mal gozada. O mundo moderno parece ter escolhido. E que não se confunda prazer com um hedonismo. Há tipos de prazeres e, diz Epicuro, devemos saciar os necessários. Mas isto é assunto para uma outra pílula filosófica.
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