Les misérables, de Victor Hugo, Tome I (contém spoilers)
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Na verdade, não li este livro, mas o escutei, a fim de treinar a audition em francês. No rol dos grandes literatos da humanidade, Victor Hugo ocupa um papel de cimeira, sendo muito lido e muito citado mundo afora. Les misérables é um de seus maiores romances, onde ele, através das desventuras de Jean Valjean, faz ácida crítica da sociedade francesa do século XIX, mostrando como os marginais, os que vivem à margem da sociedade, como prostitutas e ladrões, são frutos dessa própria sociedade, que lhes vira as costas. Jean Valjean é um galerien, um ladrão condenado a trabalhos forçados, que toma contato com Fantine, uma jovem que, por vários motivos, se viu compelida a prostituição. O livro principia com a narrativa da vida de Monsieur Bienvenu, bispo de uma pequena localidade no interior francês. Bievenu, "bem vindo" em português, é um homem santo, dedicando sua vida a cuidar dos pobres e maltrapilhos de sua vila, e, embora rico, leva uma vida frugal com sua irmã. Um dos pontos altos do livro, um volume com mais de setecentas páginas, é a discussão de Bienvenu com um antigo revolucionário das vagas de 1789. O discurso do velho revolucionário, à beira de morte, é completamente eletrizante, e constitui uma crítica mordaz do Antigo Regime e suas castas. Jean Vajean, antigo camponês preso por roubar para saciar sua fome em um ato de quase ingenuidade e desespero, após cumprir uma pena de mais de uma década nas galeras, entra em contato com Bienvenu e se torna outra pessoa. As relações com o bispo lhe entamam uma profunda revolução espiritual, verdadeira epifania, e Valjean se emenda, passando a levar uma vida honesta, também dedicada aos pobres e a remediar os males da nascente sociedade urbano-industrial francesa. Já Fantine, após uma juventude de alegrias, se vê criando uma criança sozinha. Enquanto mãe solteira, carrega um estigma, o que a impede de conseguir um emprego para sustentar sua filha, forçando-a a vagar de cidade em cidade e, por fim, abrir de mão de cuidar de sua filha, entregue a um casal de camponeses maldosos. Fantine é empregada em uma das fábricas que Valjean fundou em uma cidade do interior, e, como sua condição de mãe solteira é logo descoberta, se vê forçada a vender seus dentes para sustentar sua filha, à qual envia regularmente dinheiro, outro ponto alto do livro. Valjean, agora sob nova identidade, garante o sustento de muitas famílias na localidade de Montreuil-sur-mer. Logo, reduzida ao opróbrio, Fantine é acusada de um crime que não cometeu e perseguida pelo inspetor de polícia Javert, um homem dotado de verdadeiro espírito juncker prussiano. Valjean, sob o nome de Madeleine, tornado prefeito da cidade graças a sua ação benfazeja, intervem e salva Fantine da prisão, onde esta não poderia sustentar sua filha. Deste encontro, surgem novos fios do enredo, que não contaremos até o fim. Embora tenhamos exposto de uma forma direta, a narrativa é mais longa, e faz uma grande sondagem psicológica dos personagens, muito profundos, explicando suas ações segundo a personalidade de cada qual. O tema do livro, a miséria na França do século XIX e sua origem social, pode ligar o autor àquilo que Engels e depois Lênin viram como uma das contribuições da França à humanidade, as preocupações socialistas com o bem-estar do gênero humano, embora Hugo não mostre nem luta de classes nem a crença na transformação revolucionária da espécie, ao menos no primeiro tomo, posto que o segundo vai abordar alguns processos revolucionários, como analisaremos na sequência. É mister lembrar que a preocupação com as misérias sociais era constante no século XIX, atingindo mesmo autores liberais, como os ricardianos de esquerda, tal qual Sismondi, ou mesmo um liberal reformador, como Stuart Mill, e até mesmo a Igreja Católica, com suas encíclicas e tratados. O livro de Hugo possui qualidades literárias inegáveis e, como todo clássico, merece ser lido, ou ouvido, de preferência em sua língua original, que guarda belezas e dá uma tônica própria aos discursos e pensamentos dos personagens.
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