Faz dez anos que nos reunimos em Santos, para o 1o Encontro de Estudantes Libertários. Na época, ajudei a redigir a seguinte Carta Aberta:
"Que a universidade que frequenta os noticiários e a que esta descrita nos manuais de vestibular é
bastante diferente da realmente existente, é um fato de conhecimento comum dos que vivem o seu
cotidiano. Isto acontece porque os donos dos grandes meios de comunicação tem os mesmos interesses
daqueles que controlam a universidade, ou seja, ambos querem manter a ordem social vigente, tendo por
base a exploração econômica e a opressão politica. A universidade brasileira sempre foi um instrumento de
dominação das elites econômicas e políticas. A criação da USP, na década de 30, estabelece os modelos
de universidade para o Brasil. Incentivadas por teorias oriundas do centro do capitalismo internacional
(Europa e Estados Unidos), as universidades brasileiras tinham por objetivo reforçar e perpetuar as elites
econômicas, intelectuais e políticas. Mais tarde, com o golpe militar de 1964, um novo modelo de educação
foi imposto à sociedade brasileira, abrangendo, inclusive, as universidades. Em 1968, o MEC consolida
acordos com o USAID – órgão do governo estadunidense – e termina por realizar uma reforma universitária
que orientará o ensino superior brasileiro de acordo com uma lógica privatista. Observando, por exemplo,
gráficos ilustrativos do desenvolvimento do setor universitário brasileiro, percebe-se uma inversão
progressiva de domínio: do público para o privado. Consolidada nos anos 90, durante o governo FHC, tal
orientação mercadológica não diz respeito somente ao aumento do número de instituições privadas, ao
passo que o neoliberalismo, uma doutrina privatista, símbolo desse governo, advoga a organização da
sociedade, suas instituições e indivíduos segundo o modelo de empresa capitalista. Essa universidade que
vêm se desenvolvendo tem como foco não somente perpetuar as elites econômica e política, mas também
formar força de trabalho especializada – técnicos necessários para a atual fase do capitalismo, na qual a
ciência e a tecnologia cumprem um papel fundamental.
O modelo de universidade brasileira até a reforma de 68, organizava-se segundo o sistema de
cátedras; a partir de então, ela passou a buscar elementos do taylorismo e do fordismo para a universidade,
expresso no sistema de departamentos, e progressivamente adotar critérios produtivistas, orientando-se por
metas de produção, bônus e prêmios salariais, como se a universidade fosse uma fábrica. Organizada
hierarquicamente, a universidade reproduz as relações e os valores do Estado e do capital. Administrada
por uma casta burocrática formada por um seleto grupo de professores e funcionários de alto escalão; a
universidade é antidemocrática e possui traços feudais, semeando práticas clientelistas, servis, de
obediência cega e uma política de conchavos de corredores. A universidade neoliberal orienta suas
pesquisas de acordo com as demandas de mercado, por exemplo, com o investimento de capital particular,
inclusive nas públicas, por meio das fundações de direito privado e agências de fomento. Situada numa
sociedade machista, homofóbica, racista, branca e normativa, a universidade enquanto instituição
dominante e disciplinar só pode reforçar tais relações. O vestibular de um lado e as mensalidades do outro,
cumprem um papel de filtro social, reforçando a ideia de educação como privilegio e mercadoria. Para @s
pouc@s estudantes que conseguem romper com as barreiras postas, a universidade estatal-privada e
privada-estatal, não garante políticas de permanência estudantil efetivas, como moradia, restaurante
universitário, bolsas de caráter socioeconômico, bibliotecas, acessibilidade plena, etc. Desenha-se no
horizonte uma universidade democratizada no Ensino à Distância que, nada mais é, senão, uma forma de
precarizar o processo de formação, desmobilizar o movimento estudantil, diminuindo os custos do Estado
com educação e criar um fecundo nicho de mercado para os grandes empresários das tecnologias de
informação. A implantação do projeto neoliberal passa, sem dúvida, por uma repressão ostensiva àquelas
que resistem a tal projeto, chegando mesmo à militarização das universidades e de práticas policialescas
adotadas pelas reitorias; como vigilância, espionagem e sabotagem.
O governo Lula, e depois, o governo Dilma, aprofundaram as políticas neoliberais no Brasil por meio de
um projeto de reforma universitária, mais tarde dividido em programas como ProUNI e ReUNI, e leis como a
de Inovação Tecnológica. Durante a década de 90, houve uma expansão desenfreada do ensino superior
privado, de modo que a demanda de vagas superou a capacidade da população em pagar pelas mesmas,
devido ao alto valor das mensalidades, gerando inúmeras vagas ociosas; por meio do ProUNI, o governo
Lula, sob um falso discurso de estatização das vagas e democratização do ensino, na verdade, salvou da
falência seus grandes tubarões, injetando dinheiro público, que deveria ir para as universidades públicas,
em instituições privadas, objetivando também formar força de trabalho e a manutenção do exército industrial
de reserva. Quanto ao ReUNI, trata-se de um plano de expansão de vagas com escasso aumento verbas,
com dois objetivos: de um lado fornecer técnicos necessários ao mercado, e de outro, adequar a
universidade ao método de gestão empresarial, como se a universidade não fosse uma escola, apoiando-se
em aspectos puramente quantitativos.
No estado de São Paulo, os distintos governos do PSDB levaram adiante inúmeras ações privatistas,
como o aumento de vagas sem o aumento de verbas das universidades estaduais (USP, UNESP e
UNICAMP); os decretos de Serra, que tiravam a autonomia pedagógico-financeira das universidades; UNIVESP; o PDI na UNESP; o PROAD na USP; terceirização massiva no caso da UNICAMP; a Escola da
Família e uma legislação que é uma verdadeira cama para que o capital deite e role.
Fundada em 1937, a UNE cumpriu papel histórico nas lutas estudantis e do povo brasileiro. Resistiu à
ditadura e ao imperialismo, mas também foi dominada - em alguns momentos - pela direita. Desde a eleição
de Lula, em 2002, um grande debate processou-se no interior da UNE/UBES. Suas direções majoritárias da
UJS/PCdoB e algumas correntes do PT passaram a
defender propostas do governo. Setores de esquerda
da UNE, num encontro realizado em 2004 na UFRJ,
deliberaram a construção de uma nova entidade
estudantil nacional e a organização da Frente de Luta
Contra a Reforma Universitária de Lula, pois
entendiam que a UNE não cumpriria mais nenhum
papel na luta estudantil. Tanto a nova entidade
(Conlute), quanto a Frente falharam em seus
objetivos, posto que, a primeira, dominada pelo
PSTU, e a segunda, pelo PSOL e PSTU, colocaram
os interesses eleitoreiros acima dos interesses sociais, atuando em inúmeros processos inclusive como
freio: com a vanguarda tornando-se retaguarda. De outro lado, a ANEL - que completa 3 anos de existência
dominada pelo PSTU, é pouco mais do que um braço de cooptação do mesmo. Atua como freio aos
processos (vide sua atuação nas últimas mobilizações da USP), e busca rebaixar suas práticas e seu
programa com intuito de se aproximar do PSOL, partido que possui algumas diretorias da UNE.
A este cenário de privatização programática empreendida pelo estado brasileiro, soma-se uma das
mais profundas crises econômicas da história do capitalismo. Diante da falência de grandes bancos,
seguradoras e corporações, os estados endividaram-se massivamente, afim de salvar tais instituições;
agora, no segundo tempo da crise, tentam repassar estes custos ao conjunto das classes trabalhadoras do
campo e da cidade, por meio de cortes de direitos, aumento de impostos e saques sistemáticos do povo. No
mundo todo a população reage contra a piora nas condições de existência e grita nas ruas e praças que a
crise é dos ricos; e que eles paguem por ela! Vimos no último período uma série de revoltas contra as
perspectivas de vida em nossa sociedade capitalista transnacionalizada e mundial, contra formas
tradicionais de opressão e ditaduras, contra a miséria reinante à escala global. Por todos os lugares a
juventude, os imigrantes, as mulheres, os trabalhadores e os explorados se põem em lutas, e as respostas
dos governos e seus políticos são regimes de exceção, onde a policia e grupos paramilitares atuam por
meio de um terrorismo de estado, e quem se opõe a ordem dada e aos planos feitos tem de se ver com os
cacetes, balas, grades e perseguições de todo grau e tipo.
Que o aparente crescimento econômico brasileiro não engane. Lutas explodem por todo país; ano
passado, e já este ano, inúmeras se processaram: Jirau, Belo Monte, professores, movimentos por
transporte público, Pinheirinho, Nova Luz. Do mesmo modo, os governantes se apoiam na força das armas
para levar a diante a privatização total de nossas vidas, em pleno acordo e harmonia com o grande capital.
Diante da atual conjuntura de avanço do neoliberalismo, impulsionado pela crise econômica – apoiado
por uma UNE totalmente atrelada ao Estado e uma ANEL, que não se constitui como uma real alternativa de
oposição – estudantes que acumularam experiência com as lutas ocorridas por todo o estado de São Paulo,
insatisfeitos com essa conjuntura, encontraram-se no Centro de Estudantes de Santos nos dias 11 e 12 de
fevereiro deste ano para discutir uma proposta de luta. Entendemos que boa parte da burocratização e
aparelhamento do movimento estudantil deve-se ao fato de que, as estudantes que dele discordam, não se
organizaram para combatê-lo. Temos claro que a derrota do atual modelo de universidade somente poderá
acontecer por meio da ação direta d@s estudantes e do povo, orientando-se pela democracia de base e a
autogestão, buscando autonomia frente aos partidos políticos eleitoreiros, ao Estado e aos patrões.
Diferenciando o público do estatal e criticando a
educação privatista, visando construir uma
educação baseada na autogestão e um movimento
estudantil combativo – que se coloque ao lado do
povo e de suas lutas – decidimos nos encontrar
novamente, para debater as tarefas a serem
cumpridas na atual conjuntura e a organização
necessária para tal, entre os dias 28 de abril e 1º
de maio de 2012, na cidade de São Paulo."
Santos, 11 e 12 de fevereiro de 2012
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