Heidegger e sua herança - o neonazismo, o neofascismo e o fundamentalismo islâmico
Victor Farias, SP: É realizações, 2017
Victor Farias ocupou o centro do debate filosófico internacional quando, na década de 1980, publicou seu estudo sobre as relações entre Heidegger e o nazismo, relações estas que vêm alimentando a exegese da obra do autor teutônico. Farias, ele mesmo outrora aluno de Heidegger, escreveu o livro ora analisado na mesma linha: mostrar como o pensamento de Heidegger é profundamente imbricado no nazismo, sendo, até mesmo, mais radical que o nazismo realmente existente, posto que Heidegger era ligado ao grupo das S.A., assassinados na famosa Noite dos Longos Punhais, em 1934, visto se oporem ao realismo político do grupo dirigente do NSDAP (Partido Nazista), que se aliava, por exemplo, com setores católicos. O nazismo autêntico de Röhm e outros dirigentes da S.A. era anticristão, defendendo, por exemplo, a da homossexualidade e o paganismo, algo que colocava entraves às alianças de Hitler com os setores conservadores do Exército e do clero católico. Heidegger foi reitor e, em seus escritos, defendia um nazismo filosófico, antijudaico-cristão, que colocasse a questão do surgimento de um novo homem. Para Lukács, Heidegger faz parte do movimento do irracionalismo na filosofia contemporânea, que nada mais é que um movimento reacionário que visa combater as conquistas da razão, como o materialismo, e as asserções da revolução francesa, tal qual a igualdade entre os humanos. Em seu livro, Farias recupera todos estes elementos para mostrar como o pensamento heideggeriano alimenta, há décadas, o que de mais extremo a direita tem produzido, como movimentos neonazistas, o neofascismo e o fundamentalismo islâmico, todas correntes que se opõem a conquistas da modernidade, como a Declaração Universal dos Direitos do homem e a igualdade entre homens e mulheres. O neonazismo, contudo, se esconde atrás de uma capa supostamente democrática, afirmando que os povos têm direito a existência própria, mas em seus próprios territórios. O socialismo e o liberalismo, enquanto internacionalistas, seriam negativos pois desvinculam o homem da terra. Defensores de "raças puras", se opõem à miscigenação, posto que esta enfraquece os povos. Do mesmo modo a democracia, que iguala os homens, quando, na verdade, a sociedade deve produzir uma elite dirigente que conduza a todos. Há de espantar que o fundamentalismo islâmico também se alimente da seara heideggeriana. Quem fez a mediação foi o islamólogo francês Henri Corbin, tradutor e divulgador de Heidegger na França, mais tarde professor no Irã. Para os fundamentalistas, o Ocidente encontra-se em franca decadência e somente o Islã pode regenerá-lo, enquanto verdadeira religião universal - tudo isto pautado em Heidegger, como mostra Farias. Este critica ainda o governo bolivariano venezuelano, por se cercar de heideggerianos neonazistas, como Ceresole. Outra alvo da crítica de Farias é o criptofascismo de Dugin e sua Quarta Teoria Política, teoria esta que vem orientando a ação do governo russo, o qual, como se sabe, vêm fomentando a extrema-direita mundo afora. Farias analisa detalhadamente todos estes movimentos e ideias, mostrando, através de documentos, sua pertença inequívoca à seara fascista heideggeriana. O problema é que boa parte da filosofia contemporânea foi muito influenciada por Heidegger, e teóricos que estão na moda, como Foucault. Talvez seja uma intrusão subterrânea do fascismo na filosofia, intrusão esta que precisa ser combatida por outras correntes do pensamento político, como liberais e socialistas, revivendo a aliança de outros tempos, que enterrou a serpente fascista. O livro de Farias é uma contribuição a este debate, e há de ser de grande valia.
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