— Vamos
por partes; começar pelo começo. Aí podemos ver como vamos tratar com a
imprensa. O que você acha? Sempre que escrevo os relatórios aqui da INTERPOL é
o meio que adotamos.
— OK,
tudo bem. Mas é uma história meio maluca. Além disso, não terminamos as
investigações. Afinal, não é fácil entender como meio milhão de pessoas
morreram de uma hora para outra, sem bombas nem armas de fogo. Ao que parece,
tudo começou com aquela espuma estranha que encontramos por toda parte.
— Diga
novamente o que era essa espuma.
— Pelos
vídeos de segurança que vimos, as mãos das pessoas, pouco antes de morrerem,
estavam cheias de uma espuma de cor gelo. Parecia espuma de um bom sabão de
coco. Aliás, tudo indica que a infecção, se é que podemos usar este nome,
começou em um banheiro público. É de lá que vieram os primeiros vídeos. Bem no
centro da cidade, era um banheiro aberto a toda população. Todos o utilizavam.
— Já
estive na ilha a trabalho. Era um banheiro ao lado daquele supermercado grande,
não é? Creio que o utilizei algumas vezes nas minha estadia por lá.
— Esse
mesmo. Tudo começou quando alguém simplesmente lavou suas mãos com esta espuma.
Ela gruda na pele, não sai com água nem esfregando. Ao contrário, parece se
propagar no ar, vai aumentando.
— Aumenta
no ar? Vocês conseguiram alguma amostra? Um material com propriedades únicas,
ao que parece.
— Há
resquícios dela por toda parte, especialmente nos corpos, nos cadáveres, nos
olhos destes. Uma cena muito forte de se vislumbrar.
— Nossa.
Também, meio milhão de mortos em algumas horas. Qual arma consegue isso? Uma
bomba atômica? Nem o ebola mata tanto, tão rapidamente.
— Depois
do primeiro infectado, os vídeos gravaram como tudo se passou. Essa pessoa, que
calmamente foi lavar suas mãos depois de utilizar o banheiro, ficou horrorizada.
Corria por toda parte. Ela gritava, se debatia, andava por todos os lados.
Parece que a infecção pela espuma é extremamente dolorosa.
— E como
se espalha?
— O
número 1 logo entrou em contato com outra pessoa. A espuma foi parar de suas
mãos para outras mãos. Tentaram lavá-la, mas ela ia crescendo, aumentando de
tamanho. Logo, eram centenas, correndo pelo centro da cidade, se tocando, se
infectando. Em questão de minutos, o número 1 caiu para nunca mais se levantar,
todo envolto nesta espuma maléfica.
— Bem, e
como se propagou do centro para as periferias?
— Ora, o
centro é supermovimentado, ainda mais em um dia de semana. Praticamente toda a
ilha se dirigia ao centro, seja para fazer compras, seja para trabalhar. Além
disso, reparamos que, depois de contaminada, a pessoa se move freneticamente,
sem sentar. Como se sofressem de acatisia aguda. Andando de um lado para outro,
você imagina como tudo se passou em uma ilha pequena como aquela. O primeiro
caso infectou várias outras pessoas, que foram infectando outras, e outras.
Tudo muito rápido, a partir de um núcleo naquele banheiro.
— Acatisia?
O que é isso?
— É a
impossibilidade de se sentar, de ficar parado. As pernas se mexem
freneticamente, a pessoa sente um ímpeto irrefreável de se movimentar, e
termina por fazê-lo.
— Entendi.
E do que elas morrem exatamente? Esgotamento físico de tanto se mexer?
— Não
sabemos, os exames não foram feitos. Diante destas evidências, qual
infectologista quer se aproximar disso. Além disso, não era uma ilha tão
importante. Pequena, isolada; as mortes doem menos. Mas estamos tentando
encontrar médicos que topem se arriscar. O problema é que toda a região central
está tomada pela espuma, de modo a estar intransitável. As imagens das câmeras
foram obtidas através do sistema online do governo por nossos técnicos de
informática e através de drones. Só estivemos nas praias, em algumas casas de
periferias menos afetadas. Mas sempre com muitos corpos tomados de espuma.
— E quem
ou o quê seria o responsável? Ataque terroristas? Algum governo inimigo? A ilha
era pacífica, nem exército possuía.
— Não
sabemos. As gravações não mostram nada de extraordinário no banheiro antes do
primeiro infectado. Claro, podem estar adulteradas, pode ser que não tenha sido
algo no sabão, mas na reação deste com algum produto que a pessoa tinha nas
mãos. De todo modo, há uma quarentena declarada, ninguém pode se aproximar. Se
for um vírus, ele não sobreviverá tanto tempo sem vetores.
— Vocês
pensaram em como noticiar isto? Pode gerar pânico. Quais informações foram
passadas à imprensa?
— O que
você viu. A ilha está sem tráfego aéreo
ou marítimo por motivos internos. Como provoca acatisia, as pessoas não
conseguiram filmar e divulgar na rede. Então, há uma atmosfera de espera. Mas
alguns jornalistas já começam a investigar. Por isso a quarentena; a ilha está
cercada de navios, nada passa.
— Bem,
esperemos então. O importante é que nada saia da ilha. E a história é
particularmente horripilante. A pessoa pensava se lavar, se limpar; na verdade,
estava se matando. O remédio, no fim das contas, era o mal.
— Verdade. E um mal contagiante, fulminante, mortal. Quantas
vezes não fazemos o mal pensando estar fazendo o bem?
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