Os novos tempos. Tantas vezes imaginados, retratados,
sonhados. Mais do que isto, em torno do futuro se organiza mesmo toda nossa
vida. Como seremos, nosso trabalho do futuro, as coisas que pretendemos adquirir,
as lutas que vamos travar, os objetivos a conquistar. A boa e velha esperança,
esta que nos torna tão estoicos e tão combativos. Resignar-se, eis palavra proibida,
tanto mais em tempos de coaches, estes que querem nos habituar a engrandecer as
forças do pensamento, tomado como vetor mesmo das mudanças. Basta pensar que,
como em um passe de mágica, nossos projetos tomam forma, se concretizam e a
realidade esperada devém o que pretendemos.
As redes sociais, verdadeiras maravilhas tecnológicas, vem
para consumar nossas esperanças. Com tantos sucessos divulgados, tantos e
vídeos de qualidade (ou nem tanto), como se desfazer da busca pelas maravilhas prometidas
no céu azul de uma sociedade na periferia do mundo? Como imaginar que, por
causa de nossas mazelas, os sonhos prometidos estão mais para pesadelos. Em uma
sociedade da disputa, traço que talvez remeta aos gregos, há sempre ganhadores
e perdedores. As parcas vitórias de certos dotados alimentam a esperança da massa
de falidos. Os lucros bilionários do vendedor das cadeias de restaurantes,
acalentam os sonhos de grandeza do vendedor de lanches da esquina. Sonhar,
ainda não há uma taxa para isso. Mas não forneçamos ideias. Pode ser que este
singelo texto chegue ás mãos de algum capitalista de visão maior e logo
inventem uma forma de cobrar para ter sonhos; um tônico, talvez pílulas que
ajudem nos devaneios. Ou, quem sabe, estejamos atrasados e o mercado dos sonhos
já esteja na ordem do dia, em paragens mais estranhas, mas nem por isso menos
dissociadas do real.
Em minhas pausas dos estudos, onde me aventuro pelos
caminhos e descaminhos das redes sociais, é comum terminar em fotos de homens
(ou mulheres) super sarados, com as invejadas barrigas de tanquinhos, os
músculos à mostra, por vezes maior que suas respectivas cabeças e o bronzeado —
prova última da pertença de classe, visto que o horário comercial coincide com
o horário do brilho maior de nossa estrela guia — que não faz nenhuma inveja a
Trump, trunfo oculto das forças reacionárias, e, por nossa infelicidade maior,
esperança do excrementíssimo presidente desta república de bananas. Esses
corpos todo trabalhados são ostentados por perfis de nomes incomuns, estranhos
aos silva e santos da população brasileira. Eu, que nem sobrenome tenho, já me
sinto escanteado de princípio, perto dos Fassheber, dos Michelin e coisa que o
valha.
Essa mixórdia europeizada, que destas nossas plagas, nossa
língua e nossa gente, tudo fazendo para se adequar ao, perdoem o anglicismo, script das redes multinacionais de
cinema, me fizeram pensar nos problemas que enfrentam nossa população, no tangente
a seu amor próprio. Pode parecer conversa de coach, mas se valorizar, mesmo
pelas pequenas qualidades que todos possuímos, é uma forma de conseguir se
situar no mundo e de, enquanto segmento social, com características próprias,
agir melhor, ter confiança nas próprias capacidades. Uma população espoliada em
todos os sentidos, como é a brasileira, não pode se dar ao luxo de deixar
escapar o próprio núcleo mesmo da subjetividade, o sentimento do próprio corpo,
e entrega-lo de bandeja aos padrões internacionais que nos insuflam o desprezo
dessas palmeiras e sabiás em benefício de sei lá qual nome europeu.
Por isso, resolvi escrever singelo texto onde nosso
autêntico brasileiro, dos quais eu não poderia nem mesmo enumerar, fosse
louvado. O homem com barriga. Muitos me acusarão de hipocrisia, mas entre a
farroupilha e a hipostasia, uma breve louvação do puro fruto de nossa terra só
há de nos fazer bem.
O núcleo mesmo de homem brasileiro só pode ser a barriga.
Homem forte, afeito ao trabalho, é na barriga que se concentram suas
preocupações, dados os míseros salários dessa terra de gigantes com nanismo,
como aqueles do sertão nordestino, fartamente estudados há não muitos anos. O
excesso de barriga só pode significar uma incomum fartura, isto em um país onde
as classes abastadas, alimentadas do suor proletário, se fazem emagrecer em
clínicas caríssimas, inacessíveis a maior parte da população. A barriga é a
fortuna de uma gente esquecida, que necessita de reservas para poder garantir
que terá esperanças. A magreza, índice da morte certa — e os urubus comedores de carniça grassam
nesta terra.
Mas também a barriga é fruto certa do principal passatempo
de uma gente judiada, o churrasco com cerveja. Para nós, aquela carne assada,
de preferência com uma boa capa de gordura ,a se somar a nossas reservas
acumuladas com inumerável esmero, com
uma boa cerveja é o sumo da felicidade. A carne, como se sabe, não é das
melhores, assim como a cerveja. Esta é adulterada e os mais velhos se lembram
de cepas de melhor procedência. Mas, é melhor uma caneca na mão do que duas
voando. Na falta de produtos melhores, nossa cerveja oligopolizada só pode nos
trazer felicidade e contribuir para essa arte oculta, mesmo entre os antigos,
do cultivo da barriga.
A carne, fruto de indizível sofrimento animal, já está tão
arraigada no imaginário do povo brasileiro que séculos serão necessários para
tornar esse povo afeito a outra forma de aleitamento de seu descarrego de
estresse. O churrasco aos finais de semana é um patrimônio imemorial do povo
brasileiro, não se restringindo aos gaúchos. Sempre que pode, o trabalhador
brasileiro faz um churrasco: aniversários, jogos de futebol, nascimentos.
O cultivo da barriga é a prova mesma da idade de uma pessoa.
Quando jovens, a magreza é a regra. O correr dos anos, o vincar das
preocupações, o assentar das querelas, tudo isso vai encontrar sua sedimentação
natural na barriga do homem. Por isso, é um absurdo querer comparar esses
meninos despreocupados, com a vida feita, com outros, crescidos em meio a
guerra, para os quais seus pequenos prazeres de final de semana, trégua breve
de uma guerra chamada Brasil, oferecem o oásis de um conflito interminável.
Não que o cultivo da barriga se ofereça como esporte
regulamentar. Ao contrário, os médicos o proíbe. Pena que a medicina ainda não
tenha inventado pílula que cesse com as mazelas de um país como o Brasil. Os
antigos já possuíam o apotegma da adequação entre corpo são e mente são. No
Brasil, ambos são luxos. Louvar a barriga é louvar o povo e seu modo de vida.
Um povo são depende de um país são. E, no Brasil, são tem outro significado: os brasileiros são
todos vítimas de um sistema descarrilhado. Essa é a nossa sanidade. Para
esquerdá-lo, aí sim, um povo são se forjará. Até lá, a barriga do homem médio é
a senha que nos permite divisar uma outra sociedade. Caso possua barriga, não se
envergonhe. É a prova da pertença a um povo despossuído, desprovido e bestializado.
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