O fim
do Estado foi teorizado por vários pensadores, especialmente a partir do século
XIX no interior das assim chamadas utopias socialistas. Identificado com a
opressão, postulava-se que somente uma sociedade sem Estado poderia permitir a
seus membros o desenvolvimento de suas capacidades humanas e a harmonia social.
Quando
pensamos em fim do Estado as primeiras teorias que vem a mente são as
anarquistas . Para esta, não bastaria acabar com o capitalismo, mas também a
revolução deveria dar cabo do Estado enquanto instituição de poder político. Ficaram
famosas as palavras de Proudhon definindo o que é ser governado e de como o
Estado serve para controlar e encaminhar a sociedade para a opressão política
generalizada. Mais tarde, Bakunin aceita as proposições de Proudhon e passa a
entender que sem Estado, não há capitalismo e que, enquanto houver Estado,
haverá capitalismo. A revolução deve dar cabo de ambos ao mesmo tempo; caso
contrário, um reconstruiria o outro e a sociedade tornaria às condições
anteriores à revolução.
Os
social-democratas, mais tarde comunistas-leninistas, defendiam que o Estado
deveria perecer, mas somente depois de um período de transição, cujo principal
teórico certamente é Lenin. Para Lênin, esse período de transição, a assim
chamada ditadura do proletariado, significava um Estado em desaparecimento.
Explique-se: o Estado é entendido como o órgão de repressão e opressão de uma
classe sobre a outra. Enquanto houver classes sociais, haverá Estado. Com a
tomada do poder pelo partido do proletariado, a sociedade encaminha-se no
sentido de acabar com as classes sociais, logo, de acabar com o Estado enquanto
órgão da ditadura de classe. Na sociedade socialista, o fortalecimento do
Estado somente poderia apontar para sua desaparição, dialeticamente já que,
quanto mais forte a ditadura do proletariado, mais rapidamente se extinguirão
as classes, consequentemente, mais rapidamente o Estado desapareceria e
poderíamos viver em uma sociedade livre de preconceitos, desigualdade ou
opressão e exploração. Na concepção leninista, anarquistas e comunistas
concordariam com os fins, discordando somente nos meios: ao passo que os
primeiros exigem dissolução imediata do Estado, no golpe mesmo que dá a
revolução, os segundos exigem uma mediação dialética a fim de também, em um
prazo mais estendido, dissolver o Estado.
Outras teorias também desposaram e desejaram o fim do
Estado, como correntes ultraliberais. Pensemos em Thoureau, um teórico menos
conhecido mas nem por isso menos influente e que, por vezes, é assimilado ao
anarquismo. Thoreau, que era proprietário de uma pequena fábrica de lápis,
recusou-se a pagar impostos e foi por isso preso. Na prisão, escreveu o célebre
texto sobre a desobediência civil, inculpando o Estado estadunidense, órgão político
de seu país, de crimes, como a guerra contra o México, que redundaria na
expansão territorial dos EUA. Thoureau advoga que o Estado é sempre fonte de
opressão e que um povo possui o governo que merece. Tão logo a sociedade
progrida, o Estado deve ser extinto e se instaurar uma outra comunidade.
As atuais teorias do anarcocapitalismo (sic) também
advogam o fim do Estado, mas em uma perspectiva francamente de direita. Nesse
viés, o Estado é entendido como uma instituição imoral que atenta contra a
liberdade, direito fundamental que não pode ser minorado. Atos como sonegação
de impostos são enxergados enquanto desobediência civil a uma instituição
imoral e ilegítima. O mercado é propugnado como instituição capaz de resolver
todas as questões socais, ao passo que se privatize todas as funções sociais,
inclusive aquelas entendidas como mais fundamentais em uma sociedade como a
brasileira.
Vê-se que, à direita ou à esquerda, várias correntes
políticas pregam o fim do Estado e fazem loas à sua dissolução. O que se segue
varia. O fato é que o Estado é entendido como fonte de males. Pode-se dar um
passo além e entender que, na verdade, é a política a ser demonizada como fonte
de corrupção, opressão e exageros. Nessa perspectiva, o Estado é entendido como
instituição privilegiada da política e, com a consequente dissolução do Estado,
a política e os infortúnios que ela acarreta também desaparecerão.
Essas teorias guardam em comum o fato de terem uma função
negativa do Estado: entendido como instrumento de opressão, à esquerda e à
direita. À esquerda, opressão de classe, da classe burguesa. À direita, como
opressão da burocracia, que tudo complicaria, tornando a vida do empreendedor
mais difícil e atacando a liberdade.
No entanto, o Estado não é só negativo, como facilmente
se percebe. Graças a pesquisa públicas, financiadas com verba pública, verba esta
somente possível com os esforços coordenados do Estado, poderemos vencer a
pandemia em tempo recorde. Graças as atividades coordenadas pelo Estado o analfabetismo,
a miséria caíram no último período. Basta que pensemos em uma sociedade como a
chinesa, que vem apresentando melhoras sucessivas em seus índices que mensuram
desenvolvimento humano. Corre pelas redes sociais um meme (e quem disse que não
se pode filosofara partir de um meme?) em que se pede que os anarcocapitalistas
venham às favelas, onde o Estado é mínimo. O Estado, entendido como organização
política de uma sociedade, representou um salto civilizacional na história da
humanidade. Sem um Estado como mecenas, as ciências, as tecnologias, as obras
públicas, os índices sociais, etc. seriam muito piores.
Claro, a instituição não é isenta de erros e é uma
verdadeira fonte de opressão. Mas, não se pode jogar fora a água do banho com o
bebe dentro. A questão é democratizar o Estado, entendido como forma básica de
organização de uma formação social. Não há sociedade sem Estado. A questão é
saber se esse Estado será democrático (e não nos referimos à democracia dos
ricos, na verdade, uma plutarquia) ou antidemocrático. Um verdadeiro Estado
democrático não só respeita como fortalece as liberdade públicas e opera como
um verdadeiro potencializador da igualdade social; não serve como fonte de
opressão ou exploração econômica; este, existe apenas no plano teórico. Já um
Estado autoritário, como é o caso do brasileiro, serve como instrumento de
opressão de sua população; é meio para a dominação política e econômica.
Não existe sociedade sem política. O órgão primordial de
organização política é o Estado. Não que toda política passe pelo Estado, mas
todo Estado passa pela política. Enquanto houver sociedade, haverá Estado, sua
forma de organização política. Nesse sentido, não devemos pedir menos Estado ou
fim do Estado (essa seria a situação de partes da Líbia onde se vendem pessoas
como escravas em pleno século XXI); devemos pedir e lutar por um Estado
verdadeiramente democrático, não só político como econômico. Essa é a utopia
concreta do tempo presente.
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