Sou gordo
desde pelo menos a adolescência. Não à toa: como muito. Sinto dentro de mim uma
fome inexplicável que impele a provar todo tipo de guloseima, desde as mais
simples até aquelas mais requintadas. Gasto muito com minha alimentação.
Contudo, embora esteja sempre comendo algo, esta fome que eu sinto é diferente
da fome do resto da humanidade e dos demais animais. Nunca estou saciado,
sempre quero mais. Trata-se de uma fome que nunca vai embora, nenhum prato me
satisfazendo. É uma fome, por assim dizer, ontológica, insaciável, porque
aquilo que me impele a comer, aquele desejo miúdo mas constante, este nunca vai
embora.
Pouco
antes de minha mãe falecer, fui visitá-la. Ela preparou um banquete e eu me
fartei, malgrado não tenha ficado satisfeito. Entre álbuns de infância, com
aquelas fotos que muitas vezes nos fazem corar, e roupas infantis, ela me
confessou uma coisa. Todos conhecem aquele velho mito: quando a mulher está
grávida, deve satisfazer seu desejo por comida ou a criança nascerá com o rosto
do objeto ora desejado mas não consumido. Lembro-me de um gibi que eu tinha na
infância, onde dona Cebolinha tinha desejo de manga, quando grávida da irmã do
Cebolinha. Seu Cebola se desdobrou para realizar o desejo de sua amada esposa,
e, fora de época, conseguiu uma manga, não sem se estropiar todo ao cair do
alto da árvore.
Minha mãe
também teve este desejo por alimentos exóticos, mas foi um desejo ainda mais
inusitado: comer merda. Ela, após obrar no trono, ficava contemplando sua
realização, imaginando o gosto que deveria ter esta iguaria. Depois fiquei me
perguntando se não seria influência de Pasolini, visto ser este cineasta uma
das referências de minha mãe, malgrado sua carolice. Mas a cena em que o Duque
defeca no chão e obriga a jovem e atraente loira a comer, com colher de
sobremesa — verdadeiro requinte —, suas fezes, esta cena marcou a história do
cinema e há de ser lembrada. De todo modo, minha mãe teve este desejo e, embora
as crendices do populacho, não o realizou.
Não nasci com
cara de merda; no entanto, não se pode dizer que eu seja bonito. A revelação de
minha mãe, nos estertores de sua vida, foi um choque e uma epifania para
mim. Choque pelo inusitado da situação; em um mundo de testículos, olhos de
cabra, ora-pro-nobis e rins, ela foi logo desejar merda; e não qualquer merda,
visto que na alface mal lavada há de existir um pouco de estrume, e o próprio
mel, embora não seja merda, tem uma origem contestável aos mais fracos de
estômago. Mas merda humana, sua própria merda, o restos remoídos de sua
alimentação.
Logo se
percebe a tentação que foi me consumindo aos poucos. De início, tomei a idéia
como bizarra, e a rechaçava inteiramente. Mas, peu à peu, fui reconsiderando a
idéia, pensando no que minha mãe deveria ter feito e não fez, mesmo correndo o
risco de seu filho nascer com cara de bosta. Fui levado pelo desejo, consumido
pela curiosidade. Um dia, especialmente escolhido pela refeição passada (pizza
de rúcula com tomate seco, cervejas e amendoins), no verdadeiro coração da
madrugada, defequei. Aquele cheiro, de princípio nauseabundo e infecto, foi,
aos poucos, se tornando atraente. Então, tomado por uma nostalgia de quando
ainda não tinha nascido e por um desejo arrebatador, com uma colher de
sobremesa eu provei. A consistência daquele troço era firme, muito firme,
chegando a lembrar um bom pão-de-ló. Mas seu gosto, ó deus, aquele gosto
perfeito. A primeira mastigada foi estranha, mas logo me empolguei. Bem devo
ter comido meio quilo da mais pura merda, acompanhado de um vinho do porto,
safra 92. Enfim, senti minha fome existencial saciada. Era uma fome que
remontava à época de quando eu era feto, ancestral, genética.
Atualmente,
pode-se dizer que sou chef na arte de preparar merda. Já provei de todas as
maneiras: sauté, cozida, ensopada, refogada, à parmegiana, à milanesa, com
legumes, na manteiga, assada, etc. Altero minha alimentação conforme a
consistência que desejo: mais mole, mais dura, macia. Tornei-me até mesmo
apreciador das fezes de animais; não, nada de vacas e cavalos, mas cachorros e
gatos. Também não se deve alimentá-los com ração, mas, sim, com carne, pois o
gosto divino deste verdadeiro manjar dos deuses se torna mais pútrido,
acentuando seu sabor único.
Hoje em dia posso dizer: eu sou um homem feliz.
Saudações Guminha. Abraços fraternos.
ResponderExcluirFala Robertão. Saudades. Vê se aparece. Abraços.
ExcluirDaaaa horas!!. Só fiquei meio arrependido de ter lido antes de almoçar porque tava com fome e agora to meio de boas huahuahua
ResponderExcluirKkkk. Essa fome de tudo.
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