quarta-feira, 19 de junho de 2019

Sobre o livro "A escola francesa de historiografia da filosofia", de Ubirajara Rancan de Azevedo Marques

O livro  "A escola francesa de historiografia da filosofia",  do querido professor da UNESP Ubirajara Rancan de Azevedo Marques, o nosso Bira, é leitura fundamental para estudantes de filosofia brasileiros, e, também, para estudantes de outras plagas, onde as ressonâncias francesas tenham se instalado. Trabalhando com os próprios textos dos autores franceses dos séculos XIX e XX, pode-se dizer que o texto é um espelho daquilo que analisa, se valendo ele mesmo do método estrutural, a fim de dar voz aos autores e suas intenções. No livro se analisa como as ideias francesas, que fizeram escola no país, quando nossa referência intelectual passou a ser a França, em substituição a Portugal; enfim, como estas ideias se formaram. Analisa-se especialmente o ecletismo e o espiritualismo, e no modo como eles desembocaram na metodologia contemporânea de história da filosofia, que outrossim se instalou entre nós, estando muito viva até hoje. Jean Beaufret afirmava, em seu famoso estudo introdutório às obras de Parmênides, publicado no Brasil sob a rubrica da Coleção Os pensadores, que o estudo da história da filosofia é algo muito recente e que grandes nomes, como Kant e Descartes, tinham um conhecimento deficitário da mesma. Não sabemos aquilatar o juízo de Beaufret; mas é certo que somente com Hegel se elabora "uma história da filosofia que filosofe", como diz Heidegger; quer dizer, uma história da filosofia que seja, ela mesma, filosófica. Houve contatos entre Cousin, mestre dos ecletistas, e Hegel, fato que nos lembra o professor Bira, embora seja de difícil mensuração saber o quanto a obra do mestre alemão influenciou o francês. O mais certo é que Cousin, na tentativa de aproveitar as verdades de cada sistema filosófico, se desembaraçando de seus erros, via a necessidade de se pautar em uma boa história da filosofia, e, assim, deu o pontapé inicial para o estabelecimento desta tradição francesa, trabalho este continuado por seus discípulos, como Jouffroy. Posteriormente, a influência de Zeller e as críticas que o trabalho do helenista suscitou deram azo ao refinamento dos instrumentos intelectuais da historiografia francesa, com Boutroux, Robin e, especialmente Bréhier, tradição na qual beberam Guéroult e Goldschmidt para o estabelecimento da moderna historiografia da filosofia francesa. Bira não adentra ao problema mais contemporâneo a contento, apenas o apontando nas discussões de Paulo Arantes e Porchat Pereira. Para estudiosos de filosofia, o livro do professor Ubirajara há de ser de grande valia, a fim de conhecer um pouco daquilo que nos é ensinados nas faculdades de filosofia brasileiras, dialogando com a tradição francesa e elaborando uma história de nós mesmos em nosso ofício de filósofos ou de historiadores da filosofia, ofícios estes que, como querem alguns, podem não ser o mesmo.

MARQUES, U. R. de A.; A escola francesa de historiografia da filosofia: notas históricas e elementos de formação, SP: EDUNESP, 2007

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