sábado, 1 de junho de 2019

Alegria Plástica (Antologia Poética, 2005)

Escrevi a maior parte destes poemas em 2005. Então, lia muito Clarice e Emily Dickson, além de Camus, dentre outros. Estas leituras são a principal influência. Já o conto é de 2004; escrevi no ensino médio ainda, quando já me enveredava para as letras. Minhas principais companhias no período eram o Petras, a Nádia Neves e o trio parada dura, Karine, Iamara e Marcela, que foi embora cedo demais. A tônica é a nostalgia e o desejo do suícidio, o inconformismo com o mundo, etc.


2. ALEGRIA

PLÁSTICA

ANTOLOGIA

POÉTICA

E

CONTO

FELIPE

LUIZ


FRANCA

2005

































3. Dedicatória


Dedico a todos os colegas de vida, escola e faculdade. Obrigado.
Mas, dedico a estas pessoas especiais que conseguiram de uma forma imensa mexer comigo, e mudar algo? A resposta está nas entrelinhas. Captem-na, pois ela não é minha. É vossa.


- Renan, plasticamente feliz.
- Nádia, depressiva.
- Petras, libertário.
- Lucas, alegre.
- Daniel, cético.




-“Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento”.
(Clarice Lispector)



-“Este não é um livro porque não é assim que se escreve. O que escrevo é um só clímax? Meus dias são um só clímax: vivo a beira”.
(Clarice Lispector)


-“Ah se como levas as folhas e a areia
A alma que tenho pudesses levar –
Fosse pr’onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar”.
                                                                                                            (Fernando Pessoa)




















4. Índice Remissivo

1. Capa
2 .Contracapa
3. Dedicatória e citações
4. Índice Remissivo
5. O segredo Do Desejar
6. Sentido Amplo Do Anseio
7 .Novação
8. Reconstrução
9. In Complete
10. Alegria Plástica
11. Nota
12. Busca
13. Reticências
14. Final Esperado
15. Utopia De Não Ser
16. Semiótica
17. Tonelada
18. Humanidade Nua
19. Modernidade
20. Sem Roteiro
21. Funcional
22. Forma
23. Insofismável
24. Parto Fúnebre
25. Densidade Absurda
26. Ato De Vida
27. Dispersão
28. Velho esquema
29. Infinitude
30. Descoberta
31. Concreto
32. Práxis
33. Eu
34. Desabafo Dum Dia Infeliz
35. Hoje É O Dia
36. Ganhos e Perdas (conto)















5. O Segredo Do Desejar



Se tivesse um desejo
Gostaria de não sentir mais frio
Também não quereria sentir calor
Desejaria não sentir (e ver) fome
Não gostaria de ter sentimentos
Adoraria não ter compaixão
E a cobiça me faltaria
Inexistiria ódio em mim
Dor seria neologismo


Se tivesse um desejo,
Um ralo e exíguo desejo,
Não seria humano



Ribeirão Preto, 22 de outubro de 2004, 11h35 min, Cid































6. Sentido Amplo do Anseio



Estou ansioso,
Ou melhor, ando ansioso.
É um anseio que passa pelas veias,
Pula nas artérias e me chega,
Em tons fortes, uníssonos,
Salta em minha mente,
Põe-me assim, ansioso.

Anseia-me ver jornal,
Fico louco ao pensar que
Poderei visitar Paris e Praga,
A longe África, Odessa e Moscou.
Causa-me essa sensação também
Olhar para crianças, fedelhos,
Mal desmamados e já tagarelando.
Incrível.

Uivos horrendos surgem, não sei.
Sei que surgem, estouram em minha mente,
Ânsia existencial,
Agonia que fura meus ossos.
Mas ânsia de que?

Anseio por algo que,
Em tese poética, lírica,
Deveria ser das coisas mais simples.
Uma vez que tudo que mais anseio,
É até banal,
Embora muito precioso,
Algo que nunca vi ou senti.

Anseio viver.



Ribeirão Preto, 3 de outubro de 2004, 3h16min













7. Novação



E num choque
Tudo que era não é mais
Tudo que não existia,
Agora existe.
E surge o novo.
Das cinzas, o velho,
Emerge novo, de novo.
O intocado dali surge,
Acinzentado e negro.
Surgiu do antigo.
O novo é o velho remendado.






































8. Reconstrução



Se morda
Arranque a dentadas seus dedos.
Raspe sua cara no chão.
Quebre seus dentes batendo-os contra o mármore
Pulverize seus ossos,
Arranque e queime sua pele.
Fure os olhos,

Depois visite um cirurgião.
Se refaça ali,
No ardor da forja,
Dê palpites em todos os detalhes.
Crie seus métodos

Esse é o eu que quero.


































9. In Complete



Meu novo nome é in.
In é um prefixo
Tem suas origens entre gregos,
Que vem dos Bálcãs. Indubitáveis quanto à filosofia,
Ou entre latinos, que vem do Lácio,
Indenes em sua cultura que nos chega hoje.

Já fui ao cartório e registrei meu novo nome
Que é in.
Nome sugestivo.
In significa não.
Negar, paradoxar.
Incontrolavelmente o contrário.

Sou indiferente incessante, indigno,
Inacreditável, incinerante, incisivo,
Inadmissível, inadequado, incômodo,
Incógnito, inválido, infeliz...

Como bom brasileiro, bom servo, b(o)(e)m explorado
Sou um não, ou melhor,
Um quase não, um quase in,
Não sou inteligente, sou indecente.

Por isso, por ser brasileiro,
Por ser indeciso, por ser impróprio,
Por ser inindustrial, infernizado, inqualificável,
Por ser intragável, inegável, insano,
Insaciável, insosso, interino e invejoso.

Graças a tudo isso, hoje vou ao cartório,
Com documento e certidão,
Mudar meu nome.

Meu novo nome é in.



Ribeirão Preto, 1 e 2 de novembro de 2004, 3h04min










10. Alegria Plástica



Mentes de cera,
São fabricadas, derretidas,
O fogo, a brasa, o ardor,
Transformam-nas em coisas,
Inadmissíveis seres, vida imprópria,
Deixam as mentes felizes.
Felicidade artificial, colorido falso.
Eu não aceito essa velha entonação,
Não aceito as mentiras,
Supero meus medos, ansiedades,
Deixo para trás até mesmo minha humanidade,
E quebro com a alegria plástica.





































11. Nota



Escrevo a toa,
Por não ter o que fazer.
É a vida que quer,
Que eu escreva.
Ela sabe de sua semgracez,
E me faz escrever sobre seu descolor.
É tudo que faço:
Traduzo o preto e branco do existir,
No azul da caneta,
E na grafite do lápis.







































12. Busca



Andei dias afora.
Busquei pelas terras,
As mais distantes.
Pela coisa intocável
A escrita indecifrável e impensável.
Caminhei horas e mais horas,
Vi coisas que ninguém
Nunca pensou em ver.
Algo que:
Simplesmente não existe.
Abstração nunca antes explicada,
Nunca antes tocada,
Nunca antes pensada,
Jamais antes imaginada.
Algo que:
Simplesmente não existe.
Busco isto
































13. Reticências



Sinto na garganta
Uma bola, um ar me entupindo.
É um grito.
Ele me pressiona quer sair,
Seguro-o,
Forço ele, faço ele descer,
Na verdade não é um grito,
É um urro,
Gemido da existência, medo da vida,
Som grotesco, morcegos sendo queimados,
Ele traz consigo lágrimas,
Prendo-as, faço-as descer...



Franca, abril de 2005, UNESP

































14. Final Esperado



Acabe dia, maldito.
Deixe que à noite te invada,
E acalente minha doce mente,
Aguarde passivo minha hora,
O instante do meu brilho
O exato espaço de tempo,
Em que perderei
Toda minha covardia,
E me tornarei grandioso.
Nesse raro momento, dia, coisa única,
Quero encontrar com teu criador,
Visitar o Sol.





































15. Utopia De Não Ser



Acordar totalmente novo
Sem nada de mim...
Olhar ao espelho:
Não me reconhecer.
Descobrir-me neologismo,
Algo novo, diamante lapidado,
Outra coisa, outro ser, outra vida,
Outras idéias, outros fatos, outra história,
Outra família, outros amigos, outros amores,
Outro sonho.



Franca, 04 de agosto de 2005, 10h00min


A Marcela K.
































16. Semiótica



Meu corpo é um signo,
Significa fracasso.
Tem sua própria linguagem
Sussurra meus horrores,
É autônomo, tem suas gírias,
Todos vertem halos de pecado

Saboreie minha derrota
Eu não posso vencer?
É impossível para mim sorrir?
Resta então me entregar?
Ou devo tentar lutar contra?

Ó ponto maldito, interrogação infernal,
Não quero mais dúvidas,
Quero afirmações,
Certas e precisas.
































17. Tonelada



Braços fortes
Ajudam a carregar o peso
As veias saltitando
O coração batendo
Rápido, implacável, semipreciso,
Um corpo todo rígido,
Cheio de tecidos resistentes,
As pernas grossas,
Peludas, musculosas, ágeis,
Mesmo a estas é impossível
Carregar tamanha tonelada infinita.
Um peso indescritível
Com ele ninguém pode, ouviram?
Ninguém.
O peso de viver



Franca, 23 de julho de 2005, 7h15min






























18. Humanidade Nua (Único Caminho)



O abstrair, desejo incontrolável.
Sem certezas, sem razões,
Sem nada, simplesmente o desejo,
Tendo apenas o desejo.
Tênue linha arrebentável,
E com ele se leva,
Apenas com o desejo,
Apenas o desejo
Com desejo,
O desejo,
Desejo

(Indo profundo,
Indo o mais profundo que posso
Descendo e descendo rumo ao nada,
Indo profundo, indo para o fundo)

































19. Modernidade



A data marcada.
A face, manchada.
A arma, apontada.
O cano, roçado.
O gatilho, apertado.
O choro, derramado.
A vida, perdida.
A felicidade, alcançada.
A eternidade conseguida.
O corpo, enrijecido.
O invólucro, lacrado.
O caixão, enterrado.
O fim, anunciado.




































20. Sem Roteiro



Sem roteiro eu me perco.
É por isso que a vida,
Tem, para mim, esse ar sonso.
Sem graça, meio passada.
Por que a vida não tem,
Roteiro qualquer, nem mesmo pista.
Meu ato deve ser escrito por mim.
Sou diretor ator e financiador.
O resto é público.
Tão bobinha ela.







































21. Funcional



Devo aproveitar.
Este cigarro.
Como nunca.
Aproveitei nada.
Na vida.
Alias, a.
Própria vida.
Não é.
Aproveitável.








































22. Forma



Molde-me.
Agarre minha carne velha
E faça ela sua.
Transforme, modifique, me coma.
Meus ossos serão seu farelo.
Asse-me e deixe com que
Minha vaga existência,
Pisque numa pirotecnia,
Um ato grandioso,
E se transforme.
Sua existência.






































23. Insofismável



Ah...Essa minha natureza
Essência dúbia é claro.
Duvidam de mim,
Isto por que captei o fundo,
Vislumbro, toco, e me delicio,
Das as raízes, as raízes, ocultas, objetos antigos,
Tenho em mim os monstros mais ancestrais,
E, todos eles, livres.
Não há grades e limitações.
Apenas há eles, livres,
Amarrados a apenas uma corrente
Mesmo frágil e curta
Eu.




































24. Parto Fúnebre



Clamo o choro de todos:
Outra vida veio.
Derrubem rios de lágrimas,
Vamos ao luto.
Mais uma criatura,
Antecipadamente condenada,
Nasce, apresenta-se a nós.
Novamente vejo o fracasso,
Intrínseco, estampado,
Atrás de róseas bochechas.
Posso sentir a Infelicidade:
Rindo.
Vê-se vitoriosa novamente.
Dela o que pode se esperar?
Apenas a vitória,
Vitória sobre seis bilhões
Impressionante algarismo.
Outro turno perdido.
Cemitério, galeria de troféus,
Cesse isto, ponha fim a este suplício,
Permita-nos apenas uma vitória
Para que este sorriso infeliz termine,
E nos seja dado nosso
Brilho de honra.

























25. Densidade Absurda



Espremam-me
Como uma uva
Até que minha carcaça
Podre, usada, suja,
Libere o suco do eu.
Extrato concentrado da palavra:
Inútil.
Amargo suco, amarga criatura.
Suco de agonia, horrores vivos,
O que com ele se regar,
Por ele morrerá.
Misturem-no com antimatéria
Deixe com que meus incapazes átomos
Fundam-se
Para que dessa forma,
Sem mim,
O mundo possa, enfim,
Ser feliz.































26. Ato de Vida



Eu sugo a alegria das pessoas
Ao me verem, seus rostos,
Antes risonhos e vividos,
Fecham, mudam,
Carrancas e carrancas agora são.

Eu sugo a vida das plantas.
Em sua felicidade vivificante,
São devoradas por mim.
Elas gostam de viver, meu paradoxo.
Como para viver, e nego a vida.
Não me alimentarei mais.

Eu sugo dos animais o instinto.
Desconcertam-se comigo,
Perdem-se, e rosnam contra mim.
Eles me odeiam ao saber,
Que viver é meu drama.
Arranham e mordem por isto.

Eu sugo a alegria das pessoas,
Eu sugo a vida das plantas.
Eu sugo o instinto dos animais
A vida é um teatro,
Mas não quero ser ator.

Hoje terei meu ato final.
A dor me abandonará,
Mas espero encher-me com nada.
Hoje vou sair de cartaz,
Terminar-me.


A Lucas















27. Dispersão


Oh, como desejo me partir,
Reduzir-me a coisas menores,
Menores que o infindo pequeno,
Que já sou.
Minúsculas partes, poeira pura,
Fragmentos leves, microscópicos.
Leves a tal ponto,
Que qualquer brisa,
Mesmo pouca, rala,
Carregue-me, voar lindamente.
Desejo de estar longe,
Longe, distantes quilômetros,
De mim, me esquecer.
Não ser isto
Eu não ser

Vou dispersar minha essência,
Montículos vários de partículas,
Fragmentado, reduzido a átomos,
Memórias e coisas do eu,
Transformação em real.
Cinzas velhas e imperceptíveis.
Coisinhas que o vento carrega,
E leva a passeios pelo mundo.
Em longos e pacientes,
Ciclos, intermináveis.
Pro museu com o fogo























28. Velho Esquema



Não chorem por mim,
Eu não mereço nada,
Muito menos o dispêndio,
De tua lágrima salgada.
Queimem meu corpo,
Façam ração de minha carne,
Farelo de meus ossos,
Alimentem os cães, os porcos,
Misturem-me na coca.
De minha poesia,
Façam o que bem entenderem,
Mas, preferiria que fosse usada,
Como adubo.
Ao menos algo de mim seria:
Útil.


































29. Infinitude



Estes temas recorrentes que trato
São apenas isto mesmo:
Temas recorrentes.
Reintroduzidos longamente
Em mim,
Por sua própria natureza de,
Reapelo.
Existência recorrente
Perseguidora, longa demais,
Muito estável, segura de si.
Consciente de si
Calculadamente cruel.
Implacável.




































30. Descoberta


É fulminante, maléfico.
Tão místico, misterioso e distante.
Que efeito maravilhoso
As tonalidades mudam, os cheiros afloram
Os sons vibram e o ar parece seda amaciada
Tocando lhe as partes
É paixão!


A Nádia S. P. N.








































31. Concreto



Pare,
Apenas por um leve instante,
O tempo de seu esvair,
Paremos todos,
E escutemos,
O grosso silêncio que emana,
Do poço fundo que somos.
Caminho sem volta, trilha desfeita,
Ermo da perdição.
Mergulhar dentro de si,
Saber-se como se é,
Ao menos uma leve noção,
Rascunhar em papel branco, limpo,
O que se é,
Na tinta das mais escuras.
Um quadro malfeito, poesia inacabável,
Desespero puro, numa descoberta,
Simplesmente angustiante:
Nada.






























32. Práxis



O que fazer por mim?
Nada.
Deixar-m e paz,
É a melhor coisa.
Não me atormentar,
Trancar-me numa jaula,
E me apedrejar.
Ou deixar que,
Continuem me apedrejando,
Diariamente.







































33. Eu



O podre, tantos sinônimos
Roto
Estragado
Velho
Intragável
Horrível
Tudo isto, estes termos
Num signo: eu



Para Petras





































34. Desabafo Dum Dia Infeliz (Todos)


Dias e dias, anos e séculos.
Assim o tempo passa para mim,
Em longos saltos, não é linear este tempo.
É o tempo que eu gosto
Faz-me ver como sou imensamente pequeno perto de tudo.
Não passo de um pensamento ambulante,
De um vago quinhão de energia,
Disforme, rondando por aí,
Compartilhando obviedades com minha tertúlia imbecil,
Numa busca desesperada por algo,
Que não sei o que é.
Ah, como é maravilhoso ser assim.
Como o que sou, nada,
Um ser indigno de nota,
Indigno de ser tachado,
Indigno de ser citado,
Enfim, indigno de ser ser.
Sou humano,
Que estranho, que isto significa?
Sou indigno de ser,
Mas quem pode me dizer que sou indigno de ser?
Quem é comprovadamente melhor que eu?
E se este alguém existe quem pode comprovar?
O que é melhor? Respondam filósofos! Invoco-os.

Percebe aonde chegamos?
Nós nos complicamos
Nos prendemos, nos perdemos na ganância,
Nos perdemos no pensamento,
No perdemos inferindo.

Talvez seja imediatismo, mas me enchi de caos, e simplesmente não sei o que fazer,
Sequer sei o que dizer, também não sei o que escrever,
Não sei nada.
Sei apenas que algo ou tudo está errado.

Há tantas questões que hei tentar responder,
Mas que já sei serem indecifráveis.
Coisa alguma será revelada até que o núcleo seja descoberto
O terei hoje...
[estampido]
Não há revelações, há realidades, cruéis.



Ribeirão Preto, 19 de outubro de 2004.




35. Hoje é o Dia

Hoje é o dia,
Que o nós irá morrer,
O nós que sou eu,
O nós que é tu,
O nós que é outro,
A bebida será minha arma,
É fraca, covarde, mesquinha,
Mas é a arma mais acessível,
A mais fácil, e a mais deliciosa,
Queimar o açúcar, perder a água,
A maravilha aguardada do coma,
O desespero inicial, a contentação final,
O negro, o escuro, a luz, a ultima, o ultimo,
O fim do que nunca deveria ter existido,
O fim do outro,
O fim do tu,
O fim do eu,
Meu eu,
O fim.
































36. Ganhos e Perdas

               Banhava-me com sua luminosidade fascinante a rainha da noite me levando a refletir sobre o ato vindouro. Rocei o cano do revólver nas têmporas, para agitar o ambiente e rapidamente me esquecer da situação intransigente na qual me encontrava envolvido. Ria e chorava com a mesma vivacidade me questionando a todo instante sobre minha condição psicológica.  Nunca busquei ajuda de psiquiatras ou qualquer outro psico-sei-lá–o-que, pois sempre defendi que todos somos loucos. Não tente se iludir, ou se esconder atrás de máscaras fantasiosas ou de tipos pré-concebidos. Após seu rito de passagem, estando você preparado ou não todas elas caem, revelando o que se encontra a seu lado em sua nova condição, e que não é nada bonito, ético ou solidário a base nossa regras de conduta moral, diga-se de passagem, sua mente nua e crua..., Suas memórias de toda uma vida atiradas à lama, passadas a limpo numa espécie de reality show macabro e sedutor, que tem como único propósito lhe mostrar sua condição de merda. É simples assim. Nós, seres humanos, achamo-nos no direito de mandar no mundo, ofertando, como se fosse um favor, as outras criaturas a chance de viver. Assumimos o papel dos deuses em nossa empreitada rumo ao conforto. Ah..., Como somos tolos, prepotentes e soberbos em nossa magnânima cruzada. É desconfortante descobrir que toda sua existência, e que tudo em que você acreditava, pensava e pregava, não chega nem a ser considerado lixo nesse lado da “vida”. Que a própria espécie Homo sapiens, não influi em nada, a menos é claro que Eles queiram. Eles têm a Chave e o Portal,..., Têm a autoridade para mudar o que lhes incomodar, se é que existe algo que lhes possa incomodar.
                Como foi dito, esfreguei em minhas têmporas meu revólver e sentei em meus calcanhares, apontando a arma em direção a minhas vítimas. Sentia seu medo, como algo sólido e palpável, sentia seu gosto, seu cheiro inebriante e seu som, uma verdadeira ópera de satisfação ao meu paladar refinado, criando em minha mente uma sensação de poder absoluto. Ouvi-las chorar e pedir por suas vidas pífias e imundas me remetia a uma alegria poucas vezes experimentadas e me impelia a consumar aquele pseudo-ritual, quase um seppuku. Coloquei ambas, minha razão e minha loucura, numa balança..., O destino fez crescer minha escolha oculta. Ouviu-se o estampido do tiro, aquele estralo seco que desconcerta qualquer ser vivo, calando-o por alguns minutos. Meu sangue espalhou-se pelo chão, tornando o local impuro e profano. Atirei no peito, para poder sentir minha alma aos poucos sair de meu corpo, sentindo-a esvair-se e arrepender-me de tudo que fiz. Sempre acreditei que a sensação de morrer deveria ser boa, assim como a de nascer, pois são fatos únicos. Não há como se nascer ou morrer duas vezes. Eu já a provei,... E recomendo.
                Ouça meu conselho: não perca tempo vivendo, nem com tolas bobagens, como amor, sexo e tolices Desse lado. Olho para o passado e me lembro dos anos em que era vivo, e apenas gargalho sarcasticamente. Era minha vida, aquela monotonia sem sentido era minha vida, minha realidade, meu mundo se resumia aquilo! Sua vida é também inteiramente falsa e desprovida de emoção. Aqui temos a emoção real. A emoção de fantasiar e controlar a vida de todos. A emoção de sofrer e sentir dor, o único prazer real e lascivo. De resto ignore, e faça o que foi dito..., Chame-me, busque por mim, eu tenho a luz, posso cedê-la a você por um pequeno preço, o preço justo,... que lhe causará furor e lhe despertará desejos libidinosos apenas por ouvi-lo. Siga estas instruções, e com certeza nos encontraremos. Nessa oportunidade lhe darei uma dose real de prazer...

Ribeirão Preto, 27 de abril de 2004.









Nota secreta para os pacientes:

Escritos durante uma longa agonia, maior que a própria vida, estes poemas datam todos de 2004 e de 2005. Tinha então quinze, dezesseis e dezessete anos. Contam a história de uma pessoa, indefinida, nem homem nem mulher nem jovem nem novo, talvez nem seja, mas um anônimo, daqueles que todos somos e de que viemos todos, pois condenados a ser assim. É a história de uma certa vida, de desejos, de títulos, de carnes e mentes, narram o perfil de alguém que está, de alguém aí. Muitas concepções mudaram de lá para cá, especialmente quanto à poética, quanto à vida, quanto à política, quanto ao mundo. De quem leu, espero que faça o descrito na epígrafe: captem as entrelinhas, descubram o secreto do poema, pois, como baseado na vida, descobrirão o secreto da vida, não toda, mas da vida de alguém, anônimo : todos. A vida anônima que estatelada está em todos nós. A descoberta dessa, dela mesma, dela enquanto todos, a descoberta dessa vida será a descoberta da própria agonia, pois, como também anunciado nas citações, ter-se-á nas mãos uma vida, mas ininteligível, pois não se entende a vida, se vive apenas, com agonia, mas vivendo, a agonia viva, todos, mas vivendo. Quem não leu sabe agora o que terá nas mãos, e pode decidir não ler, pois sabe do secreto, e saber o secreto antes de ler (o quê não importa), é sentir o poder divino nas mãos. Mas peço que acabem com esta obra inacabada, como todas. Fechem o livro, façam com que a agonia das páginas desta antologia termine também, pois ela carrega só o segredo da vida anônima de todos. Isto deve ser revelado, para que o peso seja carregado por todos, pois de todos ele faz parte. Ajude o livro.

- Mergulhe, como eu mergulhei. Entregue-se ao desconhecido como eu me entreguei.
(Clarice Lispector)

Como dito, muitas concepções mudaram, quem as mudou não sei, mas sei que ainda posso vislumbrar o momento da escrita da epígrafe, e vislumbrar as pessoas citadas, que deixaram de ser anônimas e carregam consigo o peso destes versos proféticos. Lembra?:

- Dedico a todos os colegas de vida, escola e faculdade. Obrigado.
Mas, dedico a estas pessoas especiais que conseguiram duma forma imensa mexer comigo, e mudar algo? A resposta está nas entrelinhas. Captem-na, pois ela não é minha. É de vós.

Tendo isto em vista, transfiro o peso de saber sozinho para o livro, e o livro transfere este peso para vós, de anônimo a anônimo, tendo em mim, a palavra, o caminho. Boa sorte na empreitada da leitura ou da releitura. . Toda na reflexão.          .

Força e vitaminas para todos nós.


Felipe Luiz, Guma

 Abril de 2006

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