2.
ALEGRIA
PLÁSTICA
ANTOLOGIA
POÉTICA
E
CONTO
FELIPE
LUIZ
FRANCA
2005
3.
Dedicatória
Dedico
a todos os colegas de vida, escola e faculdade. Obrigado.
Mas,
dedico a estas pessoas especiais que conseguiram de uma forma imensa mexer
comigo, e mudar algo? A resposta está nas entrelinhas. Captem-na, pois ela não
é minha. É vossa.
-
Renan, plasticamente feliz.
-
Nádia, depressiva.
-
Petras, libertário.
-
Lucas, alegre.
-
Daniel, cético.
-“Não
se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento”.
(Clarice Lispector)
-“Este
não é um livro porque não é assim que se escreve. O que escrevo é um só clímax?
Meus dias são um só clímax: vivo a beira”.
(Clarice Lispector)
-“Ah
se como levas as folhas e a areia
A
alma que tenho pudesses levar –
Fosse
pr’onde fosse, pra longe da idéia
De
eu ter que pensar”.
(Fernando Pessoa)
4.
Índice Remissivo
1.
Capa
2
.Contracapa
3.
Dedicatória e citações
4.
Índice Remissivo
5. O
segredo Do Desejar
6.
Sentido Amplo Do Anseio
7
.Novação
8.
Reconstrução
9. In
Complete
10.
Alegria Plástica
11.
Nota
12.
Busca
13.
Reticências
14.
Final Esperado
15.
Utopia De Não Ser
16.
Semiótica
17.
Tonelada
18.
Humanidade Nua
19.
Modernidade
20.
Sem Roteiro
21.
Funcional
22.
Forma
23.
Insofismável
24.
Parto Fúnebre
25.
Densidade Absurda
26.
Ato De Vida
27.
Dispersão
28.
Velho esquema
29.
Infinitude
30.
Descoberta
31.
Concreto
32.
Práxis
33. Eu
34.
Desabafo Dum Dia Infeliz
35.
Hoje É O Dia
36.
Ganhos e Perdas (conto)
5. O
Segredo Do Desejar
Se
tivesse um desejo
Gostaria
de não sentir mais frio
Também
não quereria sentir calor
Desejaria
não sentir (e ver) fome
Não
gostaria de ter sentimentos
Adoraria
não ter compaixão
E a
cobiça me faltaria
Inexistiria
ódio em mim
Dor
seria neologismo
Se
tivesse um desejo,
Um
ralo e exíguo desejo,
Não
seria humano
Ribeirão
Preto, 22 de outubro de 2004, 11h35 min, Cid
6.
Sentido Amplo do Anseio
Estou
ansioso,
Ou
melhor, ando ansioso.
É um
anseio que passa pelas veias,
Pula
nas artérias e me chega,
Em
tons fortes, uníssonos,
Salta
em minha mente,
Põe-me
assim, ansioso.
Anseia-me
ver jornal,
Fico
louco ao pensar que
Poderei
visitar Paris e Praga,
A
longe África, Odessa e Moscou.
Causa-me
essa sensação também
Olhar
para crianças, fedelhos,
Mal
desmamados e já tagarelando.
Incrível.
Uivos
horrendos surgem, não sei.
Sei
que surgem, estouram em minha mente,
Ânsia
existencial,
Agonia
que fura meus ossos.
Mas
ânsia de que?
Anseio
por algo que,
Em
tese poética, lírica,
Deveria
ser das coisas mais simples.
Uma
vez que tudo que mais anseio,
É até
banal,
Embora
muito precioso,
Algo
que nunca vi ou senti.
Anseio
viver.
Ribeirão
Preto, 3 de outubro de 2004, 3h16min
7. Novação
E num
choque
Tudo
que era não é mais
Tudo
que não existia,
Agora
existe.
E
surge o novo.
Das
cinzas, o velho,
Emerge
novo, de novo.
O
intocado dali surge,
Acinzentado
e negro.
Surgiu
do antigo.
O novo
é o velho remendado.
8.
Reconstrução
Se
morda
Arranque
a dentadas seus dedos.
Raspe
sua cara no chão.
Quebre
seus dentes batendo-os contra o mármore
Pulverize
seus ossos,
Arranque
e queime sua pele.
Fure
os olhos,
Depois
visite um cirurgião.
Se
refaça ali,
No
ardor da forja,
Dê
palpites em todos os detalhes.
Crie
seus métodos
Esse é
o eu que quero.
9. In
Complete
Meu
novo nome é in.
In é
um prefixo
Tem
suas origens entre gregos,
Que
vem dos Bálcãs. Indubitáveis quanto à filosofia,
Ou
entre latinos, que vem do Lácio,
Indenes
em sua cultura que nos chega hoje.
Já fui
ao cartório e registrei meu novo nome
Que é
in.
Nome
sugestivo.
In
significa não.
Negar,
paradoxar.
Incontrolavelmente
o contrário.
Sou
indiferente incessante, indigno,
Inacreditável,
incinerante, incisivo,
Inadmissível,
inadequado, incômodo,
Incógnito,
inválido, infeliz...
Como
bom brasileiro, bom servo, b(o)(e)m explorado
Sou um
não, ou melhor,
Um
quase não, um quase in,
Não
sou inteligente, sou indecente.
Por
isso, por ser brasileiro,
Por
ser indeciso, por ser impróprio,
Por
ser inindustrial, infernizado, inqualificável,
Por
ser intragável, inegável, insano,
Insaciável,
insosso, interino e invejoso.
Graças
a tudo isso, hoje vou ao cartório,
Com
documento e certidão,
Mudar
meu nome.
Meu
novo nome é in.
Ribeirão
Preto, 1 e 2 de novembro de 2004, 3h04min
10.
Alegria Plástica
Mentes
de cera,
São
fabricadas, derretidas,
O
fogo, a brasa, o ardor,
Transformam-nas
em coisas,
Inadmissíveis
seres, vida imprópria,
Deixam
as mentes felizes.
Felicidade
artificial, colorido falso.
Eu não
aceito essa velha entonação,
Não
aceito as mentiras,
Supero
meus medos, ansiedades,
Deixo
para trás até mesmo minha humanidade,
E
quebro com a alegria plástica.
11.
Nota
Escrevo
a toa,
Por
não ter o que fazer.
É a
vida que quer,
Que eu
escreva.
Ela
sabe de sua semgracez,
E me
faz escrever sobre seu descolor.
É tudo
que faço:
Traduzo
o preto e branco do existir,
No
azul da caneta,
E na
grafite do lápis.
12.
Busca
Andei
dias afora.
Busquei
pelas terras,
As
mais distantes.
Pela
coisa intocável
A
escrita indecifrável e impensável.
Caminhei
horas e mais horas,
Vi
coisas que ninguém
Nunca
pensou em ver.
Algo
que:
Simplesmente
não existe.
Abstração
nunca antes explicada,
Nunca
antes tocada,
Nunca
antes pensada,
Jamais
antes imaginada.
Algo
que:
Simplesmente
não existe.
Busco
isto
13.
Reticências
Sinto
na garganta
Uma
bola, um ar me entupindo.
É um
grito.
Ele me
pressiona quer sair,
Seguro-o,
Forço
ele, faço ele descer,
Na
verdade não é um grito,
É um
urro,
Gemido
da existência, medo da vida,
Som
grotesco, morcegos sendo queimados,
Ele
traz consigo lágrimas,
Prendo-as,
faço-as descer...
Franca,
abril de 2005, UNESP
14.
Final Esperado
Acabe
dia, maldito.
Deixe
que à noite te invada,
E
acalente minha doce mente,
Aguarde
passivo minha hora,
O
instante do meu brilho
O
exato espaço de tempo,
Em que
perderei
Toda
minha covardia,
E me
tornarei grandioso.
Nesse
raro momento, dia, coisa única,
Quero
encontrar com teu criador,
Visitar
o Sol.
15.
Utopia De Não Ser
Acordar
totalmente novo
Sem
nada de mim...
Olhar
ao espelho:
Não me
reconhecer.
Descobrir-me
neologismo,
Algo
novo, diamante lapidado,
Outra
coisa, outro ser, outra vida,
Outras
idéias, outros fatos, outra história,
Outra
família, outros amigos, outros amores,
Outro
sonho.
Franca,
04 de agosto de 2005, 10h00min
A
Marcela K.
16.
Semiótica
Meu
corpo é um signo,
Significa
fracasso.
Tem
sua própria linguagem
Sussurra
meus horrores,
É
autônomo, tem suas gírias,
Todos
vertem halos de pecado
Saboreie
minha derrota
Eu não
posso vencer?
É
impossível para mim sorrir?
Resta
então me entregar?
Ou
devo tentar lutar contra?
Ó
ponto maldito, interrogação infernal,
Não
quero mais dúvidas,
Quero
afirmações,
Certas
e precisas.
17.
Tonelada
Braços
fortes
Ajudam
a carregar o peso
As
veias saltitando
O
coração batendo
Rápido,
implacável, semipreciso,
Um
corpo todo rígido,
Cheio
de tecidos resistentes,
As
pernas grossas,
Peludas,
musculosas, ágeis,
Mesmo
a estas é impossível
Carregar
tamanha tonelada infinita.
Um
peso indescritível
Com
ele ninguém pode, ouviram?
Ninguém.
O peso
de viver
Franca,
23 de julho de 2005, 7h15min
18.
Humanidade Nua (Único Caminho)
O
abstrair, desejo incontrolável.
Sem
certezas, sem razões,
Sem
nada, simplesmente o desejo,
Tendo
apenas o desejo.
Tênue
linha arrebentável,
E com
ele se leva,
Apenas
com o desejo,
Apenas
o desejo
Com
desejo,
O
desejo,
Desejo
(Indo
profundo,
Indo o
mais profundo que posso
Descendo
e descendo rumo ao nada,
Indo
profundo, indo para o fundo)
19.
Modernidade
A data
marcada.
A
face, manchada.
A
arma, apontada.
O
cano, roçado.
O
gatilho, apertado.
O
choro, derramado.
A
vida, perdida.
A
felicidade, alcançada.
A
eternidade conseguida.
O
corpo, enrijecido.
O
invólucro, lacrado.
O
caixão, enterrado.
O fim,
anunciado.
20.
Sem Roteiro
Sem
roteiro eu me perco.
É por
isso que a vida,
Tem,
para mim, esse ar sonso.
Sem
graça, meio passada.
Por que
a vida não tem,
Roteiro
qualquer, nem mesmo pista.
Meu
ato deve ser escrito por mim.
Sou
diretor ator e financiador.
O
resto é público.
Tão
bobinha ela.
21.
Funcional
Devo
aproveitar.
Este
cigarro.
Como
nunca.
Aproveitei
nada.
Na
vida.
Alias,
a.
Própria
vida.
Não é.
Aproveitável.
22.
Forma
Molde-me.
Agarre
minha carne velha
E faça
ela sua.
Transforme,
modifique, me coma.
Meus
ossos serão seu farelo.
Asse-me
e deixe com que
Minha
vaga existência,
Pisque
numa pirotecnia,
Um ato
grandioso,
E se
transforme.
Sua
existência.
23.
Insofismável
Ah...Essa
minha natureza
Essência
dúbia é claro.
Duvidam
de mim,
Isto
por que captei o fundo,
Vislumbro,
toco, e me delicio,
Das as
raízes, as raízes, ocultas, objetos antigos,
Tenho
em mim os monstros mais ancestrais,
E,
todos eles, livres.
Não há
grades e limitações.
Apenas
há eles, livres,
Amarrados
a apenas uma corrente
Mesmo
frágil e curta
Eu.
24.
Parto Fúnebre
Clamo
o choro de todos:
Outra
vida veio.
Derrubem
rios de lágrimas,
Vamos
ao luto.
Mais
uma criatura,
Antecipadamente
condenada,
Nasce,
apresenta-se a nós.
Novamente
vejo o fracasso,
Intrínseco,
estampado,
Atrás
de róseas bochechas.
Posso
sentir a Infelicidade:
Rindo.
Vê-se
vitoriosa novamente.
Dela o
que pode se esperar?
Apenas
a vitória,
Vitória
sobre seis bilhões
Impressionante
algarismo.
Outro
turno perdido.
Cemitério,
galeria de troféus,
Cesse
isto, ponha fim a este suplício,
Permita-nos
apenas uma vitória
Para
que este sorriso infeliz termine,
E nos
seja dado nosso
Brilho
de honra.
25.
Densidade Absurda
Espremam-me
Como
uma uva
Até
que minha carcaça
Podre,
usada, suja,
Libere
o suco do eu.
Extrato
concentrado da palavra:
Inútil.
Amargo
suco, amarga criatura.
Suco
de agonia, horrores vivos,
O que
com ele se regar,
Por
ele morrerá.
Misturem-no
com antimatéria
Deixe
com que meus incapazes átomos
Fundam-se
Para
que dessa forma,
Sem
mim,
O
mundo possa, enfim,
Ser
feliz.
26.
Ato de Vida
Eu
sugo a alegria das pessoas
Ao me
verem, seus rostos,
Antes
risonhos e vividos,
Fecham,
mudam,
Carrancas
e carrancas agora são.
Eu
sugo a vida das plantas.
Em sua
felicidade vivificante,
São
devoradas por mim.
Elas
gostam de viver, meu paradoxo.
Como
para viver, e nego a vida.
Não me
alimentarei mais.
Eu
sugo dos animais o instinto.
Desconcertam-se
comigo,
Perdem-se,
e rosnam contra mim.
Eles
me odeiam ao saber,
Que
viver é meu drama.
Arranham
e mordem por isto.
Eu
sugo a alegria das pessoas,
Eu
sugo a vida das plantas.
Eu
sugo o instinto dos animais
A vida
é um teatro,
Mas
não quero ser ator.
Hoje
terei meu ato final.
A dor
me abandonará,
Mas
espero encher-me com nada.
Hoje
vou sair de cartaz,
Terminar-me.
A
Lucas
27.
Dispersão
Oh,
como desejo me partir,
Reduzir-me
a coisas menores,
Menores
que o infindo pequeno,
Que já
sou.
Minúsculas
partes, poeira pura,
Fragmentos
leves, microscópicos.
Leves
a tal ponto,
Que
qualquer brisa,
Mesmo
pouca, rala,
Carregue-me,
voar lindamente.
Desejo
de estar longe,
Longe,
distantes quilômetros,
De
mim, me esquecer.
Não
ser isto
Eu não
ser
Vou
dispersar minha essência,
Montículos
vários de partículas,
Fragmentado,
reduzido a átomos,
Memórias
e coisas do eu,
Transformação
em real.
Cinzas
velhas e imperceptíveis.
Coisinhas
que o vento carrega,
E leva
a passeios pelo mundo.
Em
longos e pacientes,
Ciclos,
intermináveis.
Pro
museu com o fogo
28.
Velho Esquema
Não
chorem por mim,
Eu não
mereço nada,
Muito
menos o dispêndio,
De tua
lágrima salgada.
Queimem
meu corpo,
Façam
ração de minha carne,
Farelo
de meus ossos,
Alimentem
os cães, os porcos,
Misturem-me
na coca.
De
minha poesia,
Façam
o que bem entenderem,
Mas,
preferiria que fosse usada,
Como
adubo.
Ao
menos algo de mim seria:
Útil.
29.
Infinitude
Estes
temas recorrentes que trato
São
apenas isto mesmo:
Temas
recorrentes.
Reintroduzidos
longamente
Em mim,
Por
sua própria natureza de,
Reapelo.
Existência
recorrente
Perseguidora,
longa demais,
Muito
estável, segura de si.
Consciente
de si
Calculadamente
cruel.
Implacável.
30.
Descoberta
É
fulminante, maléfico.
Tão místico,
misterioso e distante.
Que
efeito maravilhoso
As
tonalidades mudam, os cheiros afloram
Os
sons vibram e o ar parece seda amaciada
Tocando
lhe as partes
É
paixão!
A
Nádia S. P. N.
31.
Concreto
Pare,
Apenas
por um leve instante,
O
tempo de seu esvair,
Paremos
todos,
E
escutemos,
O
grosso silêncio que emana,
Do
poço fundo que somos.
Caminho
sem volta, trilha desfeita,
Ermo
da perdição.
Mergulhar
dentro de si,
Saber-se
como se é,
Ao
menos uma leve noção,
Rascunhar
em papel branco, limpo,
O que
se é,
Na
tinta das mais escuras.
Um
quadro malfeito, poesia inacabável,
Desespero
puro, numa descoberta,
Simplesmente
angustiante:
Nada.
32.
Práxis
O que
fazer por mim?
Nada.
Deixar-m
e paz,
É a
melhor coisa.
Não me
atormentar,
Trancar-me
numa jaula,
E me
apedrejar.
Ou
deixar que,
Continuem
me apedrejando,
Diariamente.
33. Eu
O
podre, tantos sinônimos
Roto
Estragado
Velho
Intragável
Horrível
Tudo
isto, estes termos
Num
signo: eu
Para
Petras
34.
Desabafo Dum Dia Infeliz (Todos)
Dias e
dias, anos e séculos.
Assim
o tempo passa para mim,
Em
longos saltos, não é linear este tempo.
É o
tempo que eu gosto
Faz-me
ver como sou imensamente pequeno perto de tudo.
Não
passo de um pensamento ambulante,
De um
vago quinhão de energia,
Disforme,
rondando por aí,
Compartilhando
obviedades com minha tertúlia imbecil,
Numa
busca desesperada por algo,
Que
não sei o que é.
Ah,
como é maravilhoso ser assim.
Como o
que sou, nada,
Um ser
indigno de nota,
Indigno
de ser tachado,
Indigno
de ser citado,
Enfim,
indigno de ser ser.
Sou
humano,
Que
estranho, que isto significa?
Sou
indigno de ser,
Mas
quem pode me dizer que sou indigno de ser?
Quem é
comprovadamente melhor que eu?
E se
este alguém existe quem pode comprovar?
O que
é melhor? Respondam filósofos! Invoco-os.
Percebe
aonde chegamos?
Nós
nos complicamos
Nos
prendemos, nos perdemos na ganância,
Nos
perdemos no pensamento,
No perdemos
inferindo.
Talvez
seja imediatismo, mas me enchi de caos, e simplesmente não sei o que fazer,
Sequer
sei o que dizer, também não sei o que escrever,
Não
sei nada.
Sei
apenas que algo ou tudo está errado.
Há
tantas questões que hei tentar responder,
Mas
que já sei serem indecifráveis.
Coisa
alguma será revelada até que o núcleo seja descoberto
O
terei hoje...
[estampido]
Não há
revelações, há realidades, cruéis.
Ribeirão
Preto, 19 de outubro de 2004.
35.
Hoje é o Dia
Hoje é
o dia,
Que o
nós irá morrer,
O nós
que sou eu,
O nós
que é tu,
O nós
que é outro,
A
bebida será minha arma,
É
fraca, covarde, mesquinha,
Mas é
a arma mais acessível,
A mais
fácil, e a mais deliciosa,
Queimar
o açúcar, perder a água,
A
maravilha aguardada do coma,
O
desespero inicial, a contentação final,
O
negro, o escuro, a luz, a ultima, o ultimo,
O fim
do que nunca deveria ter existido,
O fim
do outro,
O fim
do tu,
O fim
do eu,
Meu
eu,
O fim.
36. Ganhos e Perdas
Banhava-me
com sua luminosidade fascinante a rainha da noite me levando a refletir sobre o
ato vindouro. Rocei o cano do revólver nas têmporas, para agitar o ambiente e
rapidamente me esquecer da situação intransigente na qual me encontrava
envolvido. Ria e chorava com a mesma vivacidade me questionando a todo instante
sobre minha condição psicológica. Nunca
busquei ajuda de psiquiatras ou qualquer outro psico-sei-lá–o-que, pois sempre
defendi que todos somos loucos. Não tente se iludir, ou se esconder atrás de máscaras
fantasiosas ou de tipos pré-concebidos. Após seu rito de passagem, estando você
preparado ou não todas elas caem, revelando o que se encontra a seu lado em sua
nova condição, e que não é nada bonito, ético ou solidário a base nossa regras
de conduta moral, diga-se de passagem, sua mente nua e crua..., Suas memórias
de toda uma vida atiradas à lama, passadas a limpo numa espécie de reality show
macabro e sedutor, que tem como único propósito lhe mostrar sua condição de
merda. É simples assim. Nós, seres humanos, achamo-nos no direito de mandar no
mundo, ofertando, como se fosse um favor, as outras criaturas a chance de
viver. Assumimos o papel dos deuses em nossa empreitada rumo ao conforto.
Ah..., Como somos tolos, prepotentes e soberbos em nossa magnânima cruzada. É
desconfortante descobrir que toda sua existência, e que tudo em que você
acreditava, pensava e pregava, não chega nem a ser considerado lixo nesse lado
da “vida”. Que a própria espécie Homo sapiens, não influi em nada, a menos é
claro que Eles queiram. Eles têm a Chave e o Portal,..., Têm a autoridade para
mudar o que lhes incomodar, se é que existe algo que lhes possa incomodar.
Como foi
dito, esfreguei em minhas têmporas meu revólver e sentei em meus calcanhares,
apontando a arma em direção a minhas vítimas. Sentia seu medo, como algo sólido
e palpável, sentia seu gosto, seu cheiro inebriante e seu som, uma verdadeira
ópera de satisfação ao meu paladar refinado, criando em minha mente uma
sensação de poder absoluto. Ouvi-las chorar e pedir por suas vidas pífias e
imundas me remetia a uma alegria poucas vezes experimentadas e me impelia a
consumar aquele pseudo-ritual, quase um seppuku. Coloquei ambas, minha razão e minha
loucura, numa balança..., O destino fez crescer minha escolha oculta. Ouviu-se
o estampido do tiro, aquele estralo seco que desconcerta qualquer ser vivo,
calando-o por alguns minutos. Meu sangue espalhou-se pelo chão, tornando o
local impuro e profano. Atirei no peito, para poder sentir minha alma aos poucos
sair de meu corpo, sentindo-a esvair-se e arrepender-me de tudo que fiz. Sempre
acreditei que a sensação de morrer deveria ser boa, assim como a de nascer,
pois são fatos únicos. Não há como se nascer ou morrer duas vezes. Eu já a
provei,... E recomendo.
Ouça meu
conselho: não perca tempo vivendo, nem com tolas bobagens, como amor, sexo e
tolices Desse lado. Olho para o passado e me lembro dos anos em que era vivo, e
apenas gargalho sarcasticamente. Era minha vida, aquela monotonia sem sentido
era minha vida, minha realidade, meu mundo se resumia aquilo! Sua vida é também
inteiramente falsa e desprovida de emoção. Aqui temos a emoção real. A emoção
de fantasiar e controlar a vida de todos. A emoção de sofrer e sentir dor, o
único prazer real e lascivo. De resto ignore, e faça o que foi dito...,
Chame-me, busque por mim, eu tenho a luz, posso cedê-la a você por um pequeno
preço, o preço justo,... que lhe causará furor e lhe despertará desejos
libidinosos apenas por ouvi-lo. Siga estas instruções, e com certeza nos
encontraremos. Nessa oportunidade lhe darei uma dose real de prazer...
Ribeirão Preto, 27 de abril de 2004.
Nota secreta para os pacientes:
Escritos durante uma longa agonia, maior que a própria vida, estes
poemas datam todos de 2004 e de 2005. Tinha então quinze, dezesseis e dezessete
anos. Contam a história de uma pessoa, indefinida, nem homem nem mulher nem
jovem nem novo, talvez nem seja, mas um anônimo, daqueles que todos somos e de
que viemos todos, pois condenados a ser assim. É a história de uma certa vida,
de desejos, de títulos, de carnes e mentes, narram o perfil de alguém que está,
de alguém aí. Muitas concepções mudaram de lá para cá, especialmente quanto à
poética, quanto à vida, quanto à política, quanto ao mundo. De quem leu, espero
que faça o descrito na epígrafe: captem as entrelinhas, descubram o secreto do
poema, pois, como baseado na vida, descobrirão o secreto da vida, não toda, mas
da vida de alguém, anônimo : todos. A vida anônima que estatelada está em todos
nós. A descoberta dessa, dela mesma, dela enquanto todos, a descoberta dessa
vida será a descoberta da própria agonia, pois, como também anunciado nas
citações, ter-se-á nas mãos uma vida, mas ininteligível, pois não se entende a
vida, se vive apenas, com agonia, mas vivendo, a agonia viva, todos, mas
vivendo. Quem não leu sabe agora o que terá nas mãos, e pode decidir não ler,
pois sabe do secreto, e saber o secreto antes de ler (o quê não importa), é
sentir o poder divino nas mãos. Mas peço que acabem com esta obra inacabada,
como todas. Fechem o livro, façam com que a agonia das páginas desta antologia
termine também, pois ela carrega só o segredo da vida anônima de todos. Isto
deve ser revelado, para que o peso seja carregado por todos, pois de todos ele
faz parte. Ajude o livro.
- Mergulhe, como eu mergulhei. Entregue-se ao desconhecido como eu
me entreguei.
(Clarice Lispector)
Como dito, muitas concepções mudaram, quem as mudou não sei, mas
sei que ainda posso vislumbrar o momento da escrita da epígrafe, e vislumbrar
as pessoas citadas, que deixaram de ser anônimas e carregam consigo o peso
destes versos proféticos. Lembra?:
- Dedico a todos os colegas de vida, escola e faculdade. Obrigado.
Mas,
dedico a estas pessoas especiais que conseguiram duma forma imensa mexer
comigo, e mudar algo? A resposta está nas entrelinhas. Captem-na, pois ela não
é minha. É de vós.
Tendo isto em vista, transfiro o peso de saber sozinho para o
livro, e o livro transfere este peso para vós, de anônimo a anônimo, tendo em
mim, a palavra, o caminho. Boa sorte na empreitada da leitura ou da releitura.
. Toda na reflexão. .
Força
e vitaminas para todos nós.
Felipe
Luiz, Guma
Abril de 2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário