Ensaio
“A questão do progresso: a relação entre a filosofia e
as ciências”
Discente: Felipe Luiz, 2º
Filosofia
Docente: Marco Antonio
Alves
Disciplina: Introdução à
Filosofia IV
Instituição: Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus Marília
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A QUESTÃO DO PROGRESSO:
A RELAÇÃO ENTRE A FILOSOFIA E AS CIÊNCIAS
É
clichê dizer que a diferença entre a filosofia e as ciências com relação à
religião é que aquelas são racionais, ao passo que esta não. A filosofia e as
ciências produziriam conhecimento sobre o mundo, a religião, irracional e
atrasada que é, não. Na verdade, defendemos nós, a religião é uma maneira de o
homem conhecer o mundo, dar-lhe sentido, isto é, explicar-lhe; a religião é um
tipo de explicação racional do mundo e um tipo de conhecimento do mundo. Além
de qualquer clichê, a filosofia e a religião, assim como a poesia e a história,
são áreas do saber muito próximas, pois, estas quatro áreas do saber,
constroem, basicamente, enredos ou narrativas, isto é, discursos de totalidade,
seja a totalidade do universo, da realidade, de um período ou fato histórico,
de uma aventura épica, de um sentimento ou situação, etc.; cada filósofo, cada
religião, cada poeta e cada historiador tem, como objetivo, portanto, acabar,
no sentido de levar até as últimas conseqüências, o seu saber, o seu discurso,
as suas teses — o próprio mundo.
Quando Tales,
já vão lá quase três mil anos, disse “a água é tudo”, não pensou ele ter
resolvido todos os problemas, ter extenuado o mundo, levado-o ao limite? Ou
quando se diz que “o que é, é, o que não é, não é” ou que todo efeito tem um
causa? Ou a distinção entre ato e potência como explicadores da totalidade? Ou
se pensa naquilo que é causa de si? ou, ainda, quando se busca fundamentar a
realidade fugindo dela ou isolando-a sem janelas ou por meios de universais ou
de transcendentais ou a denunciar tudo como sentido particular advindo de um
modo de existência ou, ainda, dizendo que tudo não passa da expressão da
materialidade, seja considerado em si seja, humanamente, expressão da luta de
classes? Cada filósofo busca definir abstratamente o mundo ou um de seus
aspectos por meio de um esgotamento conceitual de suas possibilidades enquanto
mundo ou aspecto. Para Kant a lógica estava acabada; Frege e Russel não
concordavam, e criaram a novidade da lógica contemporânea. Para Hegel toda a
história do Geist terminava nele mesmo; ora, o que estamos então a fazer
aqui nós? As preocupações de um Platão ou de Descartes não são as mesmas de um
filósofo contemporâneo, por exemplo, Foucault ou Adorno. Mudanças de olhar, de
ouvir e de falar; procura-se outras coisas em outros lugares; argumenta-se de
outra forma visando outros fins.
Do
mesmo modo, diz-se que a diferença entre a ciência e a filosofia é que aquela
tem, necessariamente, de ser empírica ao passo que a filosofia nunca o é, pois
trabalha no campo das abstrações. Na Idade Média a ciência não era bem assim;
os cientistas contentavam-se em comentar “a obra”, isto é Aristóteles ou a
bíblia; comentar Aristóteles e demonstrá-lo era o objetivo e o ideal de
ciência; construir teias de encadeamentos lógicos perfeitos, argumentações
milimétricas, dizer o já dito, sem alterações que cansam o espírito e que
inovam. Durante o século XV e XVI também era outro o modelo de ciência, baseado
não no contemporâneo modelo físico de hipótese-teste, mas antes nas ligações de
saber que iam do céu a terra, que necessitavam do todo para justificar a menor
das partes. A própria palavra “ciência” tinha outro significado, indicando
qualquer conhecimento sistemático do mundo desde que logicamente embasado.
Devemos nos lembra que Newton não era físico, tampouco Lamarck biólogo ou
Lavoisier químico; eram outras as preocupações e objetos desses
“pesquisadores”. Esse grande bloco epistêmico chamado “ciência moderna” não se
distingue só no nome ou, tampouco, na temporalidade, da “outra ciência”, aquela
que a precede no tempo; é uma mudança mais profunda, pois mudança de objeto
definido e de método utilizado — o suficiente para dizermos que se trata de
outra ciência.
Claro
que poderíamos perguntar qual o objetivo da ciência; mas, para fazer esta
pergunta, devemos supor uma unidade que não há, um sujeito que não existe. Esta
coisa, “a ciência”, é na história, se dá na história; não existe uma ciência
pronta, inscrita nas estrelas; não existe uma essência, um núcleo duro da
ciência ao qual o cientista se dirija para saber o que fazer, como pesquisar,
quais respostas dar, quais objetos olhar. Se não há um deus que previamente dê
sentido ao mundo, cabe a cada procedimento se inventar no interior de seu
próprio tempo histórico; porque, se não há o deus que muitos quiseram (quer
dizer, uma verdade inscrita no corpo das coisas, do mundo), o novo deus dos
homens é a história, a política e a história da política e a política da
história; quer dizer, o que os homens fizeram para dar sentido ao mundo, e como
lutaram entre si para “dar sentido”.
Se
cada ciência, se cada tempo histórico cuida de se dar sentido a si; se não há
comparação possível entre os tempos, suas diferentes ciências e suas diferentes
filosofias, trata-se de um relativismo? Trata-se, então, de dizer que cada
homem ou sociedade de homens tem sua temporalidade própria e seus objetivos
próprios? De fato, tal argumentação seria uma armadilha porque pressuporia
unidades perfeitas de “tempos históricos”, de “culturas” e de “objetivos”.
Trata-se, na verdade, de acabar com a própria unidade das coisas; trata-se de
perceber que não há uma grande coisa chamada “História” em sua marcha
inexorável rumo ao fim desde sempre dado e inscrito no destino do ser.
Corroborar com tais coisas seria como cair num platonismo que estamos a evitar.
Toda
investigação referente ao progresso na história envolve estas questões: há um telos
na história, seja ele o Juízo dos dias dos homens ou o pleno domínio positivo da
natureza ou a auto-consciência do espírito ou o fim da divisão social do
trabalho ou, ainda e por que não, a ultrapassagem da ponte, emergência do
além-homem? Há um motor na história que a faça movimentar-se de modo que a
análise deva privilegiá-lo? Há uma unidade perfeita na história — expressão do telos
e do motor?
Diante
de um quadro cubista cada um diz uma coisa; na política, cada um tem seus
interesses e os defende como verdade cristalinas; um milhão de interpretações
para cada coisa; tantas visões quanto de olhos existentes. Em Nova Iorque
helicópteros cortam o céu enquanto um operário observa nos telões de rua o
presidente de seu país anunciando um corte de impostos; na Amazônia um índio
quebra com pedras um coco, ao passo que um macaco passa em um galho. A crise
para o índio, o índio para o operário. Visões. Trata-se de um mesmo mundo que
não é o mesmo quando é interpretado de maneira diferente por olhos diferentes
que agirão diferentemente sobre ele conforme sua interpretação. Dizer que há
uma História em curso é desconsiderar as diferenças, é cair em um positivismo e
em um historicismo cego, incapaz de ver qualquer coisa além de si; é, em último
caso, compactuar com o imperialismo europeu, que se valeu das mesmas táticas
para dominar todo o mundo. O discurso do progresso é o próprio discurso do
dominador, o branco macho e capitalista, já bem nos ensinaram os mestres da
suspeita.
Não há
progresso, mas diferenças. Não há História, mas histórias, portanto. Define-se
um recorte; acontecimentaliza-se-lhe, isto é, um tempo, um espaço, uma
sub-divisão desse tempo e desse espaço visando um objetivo; uma questão de
olhar aonde, quando, e visando tais e tais fins. Estabelece-se uma série e
séries de séries buscando observar como se juntam ou se anulam essas séries.
Série: acontecimentos que se interligam graças a um olhar.
Novamente
uma armadilha. Dizer que não há progresso é dizer que não há necessidade comum;
ou dizer que o mundo das coisas, mundo dos fatos, mundo físico, não oferece um
suporte coletivo a todos os homens; é negar qualquer ontologia, ou
epistemologia ou estética; é negar qualquer filosofia, em último caso. Um relativismo
radical que beira, por perto, o solipcismo. Não dizemos “não há progresso algum
possível”; dizemos não há Progresso — movimento da História rumo a um telos.
É que no interior de uma série é possível progresso. Por exemplo, dada a série
ou dada a “história do domínio técnico do homem sobre a natureza”, será que não
há progresso, que os homens de hoje não dominam mais a natureza que os homens
de 200 anos atrás? Ou, será que nesta outra série, “história do conhecimento da
estrutura da matéria”, não há progresso, isto é, em comparação com Papus,
Einstein não tinha um conhecimento maior do mundo das coisas?
O que defendemos, portanto, é que não há esta
grande coisa “ciência” ou este outro monstro “filosofia” se desenvolvendo sobre
si mesmos a partir de uma essência a-histórica dada desde o início dos tempos.
Ambas foram se fazendo pouco a pouco, trabalho de bricolage de soi. Poderiam ser de outro
modo, mas assim se legaram a nós. Conhecer um pouco deste legado nos
possibilita entender quais as diferenças e as identidades entre filosofia e
ciência, e qual relação deve o filósofo manter com a ciência
A
primeira grande forma grega de conhecimento refutável, não dogmática —como a
religião —, foi a filosofia. Um dia as ciências sentiram necessidade de tornarem-se
autônomas; então, uma explosão sem fim de campos do saber: física, química,
sociologia, psicologia, biologia, etc.; estas ainda hoje se desmembram em uma
série de outras ciências ou, antes, sub-ciências. É que um dia a economia
passou a requerer a ciência, o desenvolvimento científico, o desenvolvimento
técnico, com mais e mais força; não que antes não houvesse esse requerer; de
fato, sempre houve, e é justamente essa a origem da ciência — não como, querem
alguns um prazer que conhecer traz. Mas, esse novo impulso, esse requerer
súbito chamado Revolução Industrial, deu um fôlego súbito a essa disciplina
filosófica que era então chamada “Filosofia Natural”. Newton era ainda filósofo
natural ou da natureza. No começo do XIX já esta disciplina não existia,
declarada autônoma da filosofia em geral, movimento que, alongo prazo, fez a
filosofia esvaziar-se de conteúdo a ponto dos filósofos chorarem sem eira nem
beira para se assentarem.
Desde
então, uma disputa sem fim entre o que é filosófico e o que é cientifico;
porque a filosofia gostaria de poder conhecer o mundo como os cientistas
contemporâneos conhecem; elaborar leis objetivas, criar métodos, mudar
radicalmente a vida dos homens; foi isto que por mais de dois mil anos fizeram
os filósofos: a metafísica. Com a derrocada deste campo do saber, tiveram os
filósofos que se contentar em fazer outra coisa: procurar o que fazer. Desde
então é que a filosofia se debruça sobre esta criatura ingrata que é a ciência.
O capitalismo fez mais e mais a ciência se desenvolver, a um custo alto, hoje é
patente, pois acabou com a grande ciência, com os cientistas como Newton;
antes, nos dias presentes, os cientistas buscam aprender um método, um proceder
que os habilite a dominar os esquemas do laboratório, a operação das máquinas,
a constituição dos relatórios, etc. Em outros termos, a ciência foi tornada
tarefa rotineira, ciência normal, ciência técnica. O cientista, afastado da
formação filosófica e humanística, reduzido a uma pequena especialização de uma
minúscula parte pequetita de seu microscópico saber, mal e mal vê, ou pode
compreender seu fazer cientifico da maneira como um Newton ou ainda um Einstein
compreenderam. Oppenheimer entendeu tarde demais o que significava seu invento;
Santos Dumont vendo a utilização de seu aeroplano se suicidou; ainda estes dias
Watson, “inventor” do DNA, não dizia que os brancos são superiores aos negros,
em inteligência? O cientista, que inventou a máquina, reduzido a máquina,
incapaz de refletir, cegamente executor de um trabalho técnico; caso clássico,
síndrome de Frankenstein: a criatura que persegue e devora seu o criador.
Nestes
nossos dias sabemos o quão longe foi a ciência utilizada capitalisticamente. A
vida tal qual nós conhecemos em perigo de destruição. Não que a culpa seja toda
do cientista, não nos enganemos; pois a maior questão é de utilização do saber;
e o saber, em uma sociedade contemporânea como a nossa, é utilizado a fim de
gerar lucro, de aumentar a taxa de lucratividade (portanto de produtividade)
dos empreendimentos capitalistas; porque há uma lei econômica que faz com que a
taxa de lucro sempre esteja em decréscimo. Contra esta lei, os capitalistas
utilizam a ciência para melhorar a produtividade, isto é, a relação capital
investido-capital produzido.
Mas,
se os capitalistas não vêem e não entendem outra coisa que o lucro; e se os
cientistas não vêem e não entendem outra coisa que a seus relatórios
fragmentários, que resta fazer? Derrubar os ricos, acabar com os
cientistas-tecnólogos, impor um saber que seja para a maior parte da população
já é lá um ótimo objetivo; mas para tal objetivos quantos meios, quantas
tentativas já feitas e fracassadas, quanto sangue derramado; não que devamos
parar de tentar, mas, dada a exigência de tempo, de preparação e de vitória,
necessitamos de uma solução mais pontual e imediatamente eficaz. Problematizar
a pesquisa e o resultado da ciência; seus fins, seus meios e inícios, seus
patrocinadores; seus pesquisadores. Problematizar tudo e a todos; extrair as
conseqüências.
Problematizar,
deduzir, induzir, mostrar as ligações ocultas, o não imediatamente visível,
deixar claro o que implica, o que está atrás e a frente das pesquisas. Eis o
que nosso tempo impõe. Já o velho Sócrates morreu envenenado; Bruno queimou
como lenha; e assim iríamos numa grande lista que, no século XX, conta com
Schlick, Lukács, Luxemburgo, Prado Jr.....lista que não pararia tão cedo. É que
aqueles que conseguem ter a compreensão profunda do que ocorre, compreensão
filosófica e olhar agudo, geralmente não conseguem calar-se; tem de expor e
agir o que pensam e sobre o que pensam. Ao filosofo, águia do saber, cumpre
perquirir a ciência sem bastar-se com as respostas prontas; mas, indo distante,
a ver como se sobre uma montanha, desvelar o que há de oculto na concretude do
real. Não basta, no entanto, saber e denunciar e mostrar as relações que
implícitas no fazer cientifico; deve-se agir, pois é o duelo de forças que
define ou não o que será pesquisado, pensado e descoberto, e como tudo isso
será utilizado. Na Idade Média, voltando a nosso exemplo, bastava o mundo
fechado, sem inovações, o repeteco e a papagaiada; hoje não, porque a estrutura
econômica das coisas, para manter-se, deve se superar sempre e sempre. A ação
política é indissociável desse saber-que-mostra-a-consequência, caso o objetivo
seja a mudança da atual concepção e utilização da ciência. E isto também devem
os filósofos saber: só a política muda as coisas, pois os livros podem
suavemente descansar, pelos séculos, nas prateleiras de bibliotecas universitárias,
a juntar poeira enquanto guardam para si próprios o saber que jaz em suas
páginas.
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