quarta-feira, 5 de junho de 2019

Profesia (2008-2009)


P
         R
O
         F
E
         S
I
         A
      OU
-         DIZERES DO FUTURO QUE SE ANUNCIA


GUMA

RIBEIRÃO PRETO,
MARÍLIA,
FRANCA

2007,
2008









           
“ porque é justo que o homem não busque se deleite na selva de sangue da manhã próxima. O céu tem praias onde evitar a vida e há corpos que não devem repetir-se na aurora.

A Profecia.

            Dizer hoje o que se passará amanhã, ou depois, ou ainda mais adiante. É um dizer que não se comprova no imediato, mas somente em outro tempo que o agora não contempla. Portanto, não dizer da certeza, mas do possível.

            Palpite, assim.

            Tantos são os poetas que se fizeram adivinhos ou que somente dizendo do que deviria, acertaram. Outros tantos, o mesmo fazendo, erraram e erraram.

            De qualquer forma, não é disto que se trata aqui. Antes, é poesia do desejo profundo de agir; mas que, vendo-se tolhido da ação mesma – que envolve suor e sangue –, por motivos tantos, se expressa no imorrível da letra e na plena possibilidade que ela permite. Não como recalque, vejam bem, mas, sim, como vontade que necessita justamente fugir do recalque e se fazer força ativa e ouvida.

            Não é programa ou dizer ao outro o que fazer. Tampouco é dizer do outro pelo outro.

            É dizer de si, a si, como agir, e o que deve advir se si mesmo fosse o que mais pode.

            Se tendo como força, congela o presente no futuro que se deseja e se põe hoje por ele.

            Não enfraquece a si ou voa. Põe-se no estrito hoje, e canaliza este no que o sucede, o amanhã.

            De profético, há a linguagem e o esperar, e o agir para a esperança.

            Mas, escrever não é somente morrer o desejo no papel. É também, agir. É pôr força, esperança e habilidade. É saber desenterrar o oculto, e, neste caso, forçá-lo para fora. Porque o escrito influência a ação; é ela o fim. O escrito, por si, nada muda. É somente o suor e o sangue: a força se fazendo forçar. Mas força que, quando escrita, pode ou fugir do mundo ou saber-se escrito não no hoje-que-é-amanhã, mas no hoje-que-será-ontem. Como inspiração, portanto.

            Eis a intenção.

            Dizer hoje o que se espera no futuro e inspirar, talvez hoje mesmo, talvez amanhã, talvez nunca, os homens.

            É este o sentido explícito. É nestes termos que se espera a leitura. Não como bíblia ou corão, mas, como poesia, que ainda que profética, profesia, mantém-se poética.




MKNS


Mar,
            nunca o vi
                                    mas sei que imenso
            então a ti
                                    poema eu teço
Cel,
            por sobre a cabeça
                                    pedras no chão
            se a escrita intensa,
                                    a palavra arpão
A
            profunda miúda
                                    mudo poema
            de luz a terra inunda
                                    ainda que pequena

 














O sol


Naquele dia, o sol não nasceu
Não foi no primeiro, mas no segundo dia da semana, portanto, não era a descriação. Os galos não cantaram, as donas-de-casa, os trabalhadores noturnos e matutinos não entenderam, culpavam seus relógios, reclamavam de “como tinham acordado cedo” ou de “que droga de tempo que não passa” ou de “acordei cedo demais e não chega a hora de ir, que bom”.
Quem se alegrou não ficou assim por muito tempo. Logo, plantões jornalísticos apareceram: “hoje, segunda-feira, o sol não nasceu. Não se sabe o que aconteceu. As autoridades pedem calma e dizem que todos os cientistas do país serão mobilizados para descobrir o que houve. Não há motivo para pânico. O dia de trabalho foi suspenso, exceto para os serviços essenciais e para os militares. Voltaremos a qualquer momento com mais notícias”.
     Correram, gritaram. O medo tomou tudo. Todos sabem que sempre que se pede calma,
                                                                            é hora do pânico.
Houve saques, hordas invadiam, tomavam os supermercados, as lojas. Desceram para o asfalto.
Os ricos tremeram.
O presidente declarou estado de sítio. As pessoas voltaram para as casas. Muitos choraram.
O segundo dia sem sol foi terrível.
Era o fim do mundo. Os dias dos homens estavam terminando. As horas derradeiras.
Milhares saíram às ruas. Pediam clemência, anuência. Rezavam, imploravam por deus.
As igrejas ficaram abarrotadas.
Os cientistas não sabiam o que concluir. O sol havia desaparecido, não estava aonde havia estado nos últimos milhares de anos. O porquê era a dúvida.
Nevou no Rio de Janeiro.
A comida terminava.
Mortes aos montes
Os homens eram dependentes do sol. Viciados. Sem a luz brilhante — alta e inalcançável — onipotente, eles se perdiam. Luz que paira além do homem.
Os demais animais não correram ou uivaram. As plantas não se desesperaram se recusando a dar frutos ou a continuar crescendo: morriam em paz. Somente o homem.
No terceiro dia, soltaram os prisioneiros e os loucos. Com a escuridão não havia mais a necessidade disso. Afinal, era o fim se anunciando.
Iniciaram os preparativos para a volta do altíssimo. Flores, frutas, pão, vinho. Procissões imensas.
Grupos de oração, rodas de macumba, cultos, possessões, psicografias, meditação: igrejas, mesquitas, bancos, templos, sinagogas.
Não houve retorno
Durante os anos seguintes, também não houve.
Os homens morreram, todos, secos.
Os animais voltaram a dominar.
As plantas aumentaram. Não demorou para que tomassem novamente as cidades. Foi o fim.
Fim do homem e, com ele, da luz, do sol incandescente. Fim do sentido

*
Acordou assustado:
                                        tivera um prognóstico
Criou sua religião, conquistou milhões. Em anos, era o maior líder espiritual do planeta.
Quando o verdadeiro fim chegou, viu-se errado. Não falta, mas excesso de sol, não volta, mas permanência.
Não fim dos tempos, fim das medidas e dos medidores.
Não falta de calor, todo calor: a rosa nuclear.
Quando, fragilizado, caiu no chão, prostrado, duvidoso, últimos momentos, seus olhos vazaram, o sol enegreceu, a bom regrediu.
Queda da luz e do sentido
Morreu em pé.

A escrita


Chuva
            Bata contra as coisas
Raios
            rachem o mundo
Ventos
            Carreguem o pó que se acumula
Gelo
            Pipoque nas testas

Meu pincel
                        Minha caneta
Os acompanham:
Balancem o real
Eu imploro.
Eu vejo
            Escrevo
                        Fumo
                        Olho

Ribeirão Preto, janeiro de 2008









Oração


Dois mil anos
                        Se passaram
                                                E do Cristo
                                                Não temos nada
Ainda corre pó aí
                             a promessa de sua chegada

mais um dia se passou.
                                    De cristo?
                                    Não, ainda nada
Dois mil anos,
Dois mil anos,
                        De sua volta.
Na cruz disse o homem
    Jesus —
“voltarei,
            terei com todos,
                                    o mundo será outro
dos pobres,
                        dos bons
                                    e durará
                                                o século do séculos”

Cristo,
Cristo
Se acumulam por ti
     Berram por ti
     Batem por ti

E não vens

            Saia então
                        Parta do mundo
                                                De vez

O homem deve depender do homem

Cristo,
            Cristo
                        Hj és grana
                                    Tão benquisto

Dois mil anos
                        Se passaram
                        De sua volta nada
Vive apenas nas mentes
                        Na mão de quem toca enxada
Na cruz abandonado
Foste tolo,
Também foi enganado

II

Jesus,
            Dois mil anos é muito tempo
Jesus,
            Lhe usam como desculpa para tudo
Jesus,
            Ainda se aproveitam de sua memória
Jesus,
            As religiões são perversas
Jesus,
            Deus inferno o céu e o diabo
 eu não acho que existam
Jesus,
            Estou rindo da sua cara
            — não por sadismo, mas como
            se ri de um inocente enganado:
            misto de pena tristeza e
            um pouco de alegria —
Jesus,
            Foste tolo
            Pagamos por isso até hoje
Ufa
Jesus
            Eu nunca acreditei
                                                Em você

24/01/2008












A lembrança


Com poucos anos
                                    já vejo claro

quando olho
                        aqueles dias,

faz tão pouco
                        e
tanto tempo
aqueles dias
era eu, então,
                        ainda
mais jovem,
                        a força de novo homem
                                                            corria
                                                            deslizava
                                                            pulsava
                                                                        em mim

eu era um coração sem peso
     uma mente sem limite
     um músculo com toda força
como era
            era tanto
                        e tudo
                                    e todos
isso aí
            era isto aqui

quando
            — porém —

transei com o mundo
oh,
            eu
                        oh

tudo murchou

ó gozo de meses,
                        lágrimas de vida
amargou
s—
            eco,
                        ceo
soe
me abri para
dentro
avesso do contrário virado de ponta cabeça
só do reverso
naqueles dias
foi ali que
            brotou poesia
ali
foi ali
            q
                        expulso,
                        choroso
                        desentendido
defini-me
                        raivoso
                        niilista
                        maldito
                                    : poeta?
Casca
            De
                        Casco
Grito, uivo
Tudo ao mesmo tempo
                                    — de vez
brotei, surgi. Eu.




















Sem título I

Esta sociedade
                        A mais contraditória
A mais rica
                        Pq
                                    A mais pobre
Riqueza
            Que custa
                        Pobreza
Ciência
            Que depende
                                    Da ignorância

Sanidade
                                                                                                                                    Loucura
Amor,
            Muito amor (barato de novela)
                                    Para esconder o ódio
Um deus,        
            Divino e alto
                                    Que esconde o mundo
                                                            Profano
                                                            Mesquinho
                                                            Baixo
A poesia pomposa, as escritas revisitadas
Que fogem dos bilhões de analfabetos
Eu-eu contra eu-nós




O aviso


Hoje,
            Aqui
Nós todos rimos
                 Bebemos
Cantamos
                        As velhas canções
Hoje
            É só mais um dia
            Parecido com ontem
                                                Com sempre
                                                Com amanhã
Até quando deixaremos os dias se parecerem

Enquanto rimos
            Bebemos
                        Ao som das      
                                                Velhas canções
Trama-se o futuro

Atrás de mesas
                        De cassinos
Que cores terá esse futuro
Nós
            Que podemos fazê-lo
Nós
            Que podemos mudá-lo
Imprimir
            Nas teias grossas
            Da história
Nossa marca,
                        Nosso desejo
Nós rimos
        Bebemos
                        Cantamos as velhas canções

A sombra do futuro
— que sobre nossas cabeças paira
não é de riso
                        ou de bebida
é de dor,
            de cor vermelha
                                    mas não é vinho
é sangue, coagulado, acumulado, ensacado

eu olho
            e vejo
a terra mesma pulsa
os músculos trabalham
                        contraem
a luz elétrica ilumina
contam-se corpos aos milhares
nosso futuro é a guerra
por vida
            por água
guerra verde,
                        Washington sorrindo
balas, balas,

abismo sob os pés

*
eu tenho visto
                        e corro
corro contra a história
                                    que se faz
Eu, a pé,
            ela na Ferrari
                                    último modelo
                                                            — vermelha
Eu aviso
            eu adianto

já cantamos demais
a hora é de agir
nós somos o futuro
o que fizermos
                        ou o que nos reservam
é nossa escolha
rindo
            bebendo
ou á força
                        mudar
é nossa,
            é nossa







A caminhada

andei dias,
andei noites

eu vi casas,
eu vi pontes

vi terrores
            fuzilamentos
amores
            excrementos
por deus
            pelos deuses
vi de tudo
            provei
vi casais
            solteiros
                        estupores
vi gays
            puteiros
                        amores
o sol
            a noite
vida se desfazendo
gente desfalecendo
milhões morrendo
a escuridão tudo
                        tomar
a luz
            aos poucos insinuar
ouvi discursos
                        falas
            cofrontos,
                        balas
vi o tabaco
                        a maconha         
a coisa
            mesma                        
eu vi
sobre todas meditei
                        pedi
anão ser atendido
continuei andando
                                    rindo
                                                rindo
não parei         
            com a tempestade
ou com o furação
não perdi a majestade
não ganhei nenhum tostão
implorava piedade
em toda parte ouvia não

vi ricos de carro importado
o pobre amontoado
no coletivo lotado
cinza, fatigado

eu vi rugas
                        nas janelas
estradas
            amoras
                        ervas
profetizo tudo que virá
sei de tudo —
                        a história dirá

assim é que
                        canto o mundo
ninguém
            jamais me esquecerá
encerro
            cheguei ao fundo
agora não há nada
                        só o tempo
                        o espaço
                                                  o absurdo















Sem título II

eu
            ao sol
                        na grama
                                    que brilha
                        ilha
                        ilha
provava
            a brisa
                        e ria
                           ria

me sentia
                        livre
                                    apertava meus amores
                        e os ares
                                ares
                                ares

tinha livros
                        de poesia
                                      alegria
                              eu os lia
                                        lia







O hipnótico
passei
anos
            sentado
                        em frente
                                    a televisão
meu corpo ganhou quilos
o pensamento tornou-se
                                    mole
as pãos
            se confundiam
                                    com as mernas
não ando
            não pego
o olho
            a íris
                        secou
                                    não vejo
não há nariz
                        para sentir cheiros
o único som que ouço
é o chiado
                        magnético
a pele tornou-se grossa
                                    e obscura
não sente
                        não tca

como é mesmo o mundo?
Como é mesmo cviver?
Permaneo prostado
o sofá sou eu
ah,
            aquelas luzes
                                    ah
                                        aquelas cores
o dizer que nunca cessa
belo    
            elo
                        com nada
bela
            tela
                        que encanta
telepatia eletrônica
Platão de nossos dias
tele
— tela
tele a-visão
letes em vida
assim   
            permaneço
            assim eu fico
morno sem urro
outro dia
            terminou
                        deito,
                                    durmo
foi a vida
            me encaixo
cessa a visão o chiado
                                    morro

Canção de mim mesmo —  hoje

eu
            jovem
            inteligente
            belo
eu
            vigoroso
            ávido
            renovador
eu
            forte
            cálido
            extremo
eu
            destro de esquerda
            lutador de miséria
            estrondo no horizonte
eu
            tomei sete facadas

eu
            envenenado pelo dia
eu
            defronte ao mundo
                                                jazi
¡assassinado!
Pelo papel-moeda
                             moenda
pela cegueira consentida
                                      dos homens
pelo falo avassalador
                                    dos universos
pelas vaginas carnívoras
                                    dos animais
pelo céu pela terra terra
                                    pelo sapien
pelo ar sujo de diesel alcool
                                    das vilas
pelo bombardeio sem tréguas
                                    das ondas
pela força gritante dos ricos
                                    que somam
pelos burgueses unidos que masscram
                                      maçons
pelos acadêmicos liberais consigo
                                    e consigo
pelo terror que não distingue altura
                                    ou gordura
pela influência que jorra das caixas
— fantasmas
eu
            morto por tudo
eu
            morto por todos
eu não pude com essa
            matemática maligna
            dos bancos
eu
            virei pra dentro
            na carne
eu       
            desfeito me afoguei
            no sangue
eu
            que tudo já quis
            hoje pouco quero
eu
            fruto de mundo 
            esquizofrênico esquisito
eu
            cadáver vivo do que
            não pude ser
eu
            anarquista de um  mundo
            regrado etiquetado
eu
            niilista nos dias de
            afirmação tola do homem
eu
            filósofo nos tempos
            de manuais de instrução
eu
            poeta da era
            das novelas
eu
            louco vagabundo
            imundo desprezado
            pela chuva
eu
            destruído
eu
            abestalhado
eu
            morto
eu
            febril batendo os dentes
e,
            u
era
            fui
                        sou
                                    serei?





















Recordação de um poeta

À Lorca
            que com o próprio corpo
            resistiu aos anjos organizados
À Lorca
            inimigo de meus inimigos
            empecilho no horizonte
Lorca  
            que chorou oito oceanos
            por não ser como todos
Lorca
            filho de Whitman
            irmão de Ginsberg
            parente meu também
Lorca
            o do sentimento
            o da tragédia
            o do fogo
Lorca
            flor da Hespanha
            leão em agonia e desespero
            verruga infinita sombreada
Lorca
            distinto ainda que
            na vala comum

em sonho
            Lorca
estou sentado
                        sobre sua tumba
chorando
que com seu suave olhar
via
            no lamaçal denso
do mundo
um diamante.
Seus rabiscos inteligíveis expressivos
Lorca
            menino de sua terra
            de onde arranca tanta força?
Diga
Lorca
            lhe imploramos
            ó rosto campestre
            letras do pastor
Pedimos
            desça do Panteão
            e murmure
                                    com teu escrito
                                                            e com tua presença
diga-nos.
                        Esperamos sua história
                                                            posto que afinal
ela é nossa

Ribeirão Preto, agosto de 2008





Sermão da trincheira

Grito
            venham a mim
                                    homens
            venham a mim
                                    mulheres
            venham as crianças
            venham os jovens
            venham os velhos
não distingo
                        altura
                                    peso
                                                compostura
não distingo
                        nem miséria
                                                nem fartura
não distingo
                        nem o credo
                                                nem as cores do sexo
não distingo branco amarelo
                        negro vermelho
                                                roxo ou cinza

eu os faço
                        eu os formo
eu os digo
pormim treme a própria
                                     base das coisas
faço rolar os montes
                                    — os montinhos
                                                os montões
                                                as montanhas

têm-se febre por mim
            todos choram quando passo
            me evitam

Tolos!

Eu os sou
sou o Verbo
sou a Lei

sou a própria essência
            dos bichos
            dos astros
            dos quinze céus

venham todos a mim
quero vê-los de púrpura
quero vê-los
                        empapados
                                                em seu próprio
sangue
batam-se
                        vençam
                                      percam

                        dominem

homens de carne
sou o rugido infernal dos tanques

sou o estampido surdo das balas
o corte furioso
eu fundo
            eu posso
sou os debates
                        sou as discussões
sou os dentes tremendo
 a aflição

sou o afronte
                        das coisas
eu digo o que é
verdade
eu vos faço saber
sou ainda
                        a alegria
a corrida pelos campos
eu desabrocho as flores
eu permito que voem
                                    os pássaros
                                    e os aviões
gerei a razão,
                        gerei as letras

em mim
            gesta
                        o universo
sou o embate
                        o conflito
a derrota a vitória
membro pendurado
fenda na carne
não me tema
se deixe levar por mim

            me dobrem
                                    me submetam
ganhe o jogo que proponho
criaturas todas
sou o duelo
                                    sou a guerra
eu sou
            mais que o próprio deus
não vire o rosto:
  
não fuja:
                        encare
não se mije:
                        prepara-te
pronto
    ou não —
eu virei
porque sou o motivo dos seres
e o motor velado das coisas
eu demarco o impossível
eu dito o absurdo

erga-te:
            a hora chegou
é já
            é antes
                        é depois

é sempre.



























Adolescência


O talo jovem
                        e belo
                        partiu-se
    graças a teu obscurantismo
não foi vão ou
                        sol no céu
doeu
            como se minha própria            
espinha
tivesse  partido
como se as vértebras
                                    desfeitas
não fossem capazes de suster-me
                                                            como homem
o cérebro
                em desespero
                                      não pôde entender
a melancolia
                        tal que
                                    só pensava
em como
               por ti
                        eu viria a padecer






Do homem e da mulher


homem e mulher
caso,
            algum dia,
haja fraqueza
                        em ti
apóia-te em outro homem
                        ou mulher
pois é tudo que tens
no entanto,
                        antes,
tens a ti
poois és o únicos
que jamais,
                        jamais
vos abandonará
na aridez deste deserto
chmado vida
sê fortaleza
o mole ruíra
tão-somente o afiado
                        e o resistente
persistem
amola-se
                        endurece-se
se a vida,
                        ela mesma
                                                é destruidora
a vida
            nestes dias
                                    também e muito mais
em grupo
               sejam
em grupo, não aceitem



























Sem título III


Faz semanas
                        ñ me alimento
ñ há fome
                        (de dentro)
a comida é pesada
e eu estou meditando
            quase todos os dias
virado para a mente
olhando o espírito
                        o encaro
                        rosno
duelo de vontades
é necessário a leveza
                                    pois tênue espírito
ligeiro.
o espírito é a coisa
                                    mesma
            que sou
coisa mesma que são
                                    somos

existe-o?
                        eis o que busco
mergulhado
                        na profundidade
            respirando vácuo
a-metafísico
                        de guerra
de carne

de relação.
                        o que permanece
espírito de lama
fria


























Sem título IV


Tomado de ódio
            o homem
lançou seu crânio contra a terra
perguntava.
A ousadia.
a ousadia de se pôr contra o dado
o fundado
            e estabelecido
a força que retirou de si
o dano que a própria terra
lhe proporcionou
o medo,
            a insegurança
e a solidão
eis que foi revolta
um homem rebelado contra
o assimétrico e o indiferente
desigual
            infundo
não vacilou:
após fechar o punho,
jamais o abriu novamente
mas
morreu de mão fechada
atado
e dolorido,
                        digno,
                                    no entanto
abril de 2008, Marília

O amor guerreiro

antes da palavra começar,
muito antes
Eu te olhei
Tu me olhaste
Momento: não precisávamos
                                    de
                                    nada
Mas hoje,
com o acúmulo
                        das  horas
                        da muda
                        dos horrores
Saber que eu te olho
e que tu olhas minha boca,
            não basta
há o desejo.
                        a carne.
a mão fechada
                        o corpo
Aperto.
Forças unidas
            contra os horrores
            contra as fezes.

maio de 2008, Marília





Sem título V


Talvez minha poesia
talvez
pareça uma confissão
                        mudo murmúrio
melancólico
pode ser que seja
                                    mos,
pois o mundo nos afronta e pede
e o mundo
    que não é só vivos —
extrai.
o mais fecundo é o mais perigoso
confessar é viver
pois se dizer ao mundo
e pagar pena pelo que se diz.

maio de 2008












Sem título VI


Por mais que corra
dá-se em si

a prisão não é só prédio
ou correntes
            e algemas
            e as esferas de aço

o tempo aprisiona
o espaço

Pois,
            lançados no mundo
é-se corpo
            e coisa a perceber

o corpo é amarra do percebido
perceber é estar atado ao corpo

um prende e permite o outro
um sabe isso do outro
e eles sabem isso,
                                    dos dois
ambos finitos
                        retornam
                                                e diminuem

na privação privada que é a morte
e a própria vida é ter que privar-se
sem eu
            tudo é o limite
pois nada
conviver com isso e aquilo
beber desta e daquela

se o deus houvesse
o lançado de outro modo seria

ter consciência de tudo
tempo externo par fazer
e o espaço infinito e multilocalizado
                                    para estar
nada havendo,
                        quer-se tudo

e só com essas
                        as maiores palavras
é que estas coisas se pode dizer
o mais geral é o mais vago
e da palavra a qual
abarca quaisquer
                                    e o círculo todo
é porque não prende
esta é a poesia
permissão para o vôo
                                    o flutuar
mas nem ela
                        de si
                                    escapa
e nem ela é a própria chave
viver é nessas coisas enfurnar-se
a  palavra poético
                                    embora engane
só pode em si dar

Ribeirão Preto, Julho de 2008

























Da massa

Quando a força da
            Massa
                        se der
quando
 sua mão plenamente
                                                fechada
quando
seus olhos
                        aguçados
                                                vendo o
                                                            que não via
quando o músculo pleno
                                                a si se moldar

e a Massa pensar-se para si
(pergunto ou respondo?)
potência terrível emergirá
golpes de econômico e cultural
rasgar do homem pelo homem
então o sangue jorrará
— antes jorrando que contido
antes o súbito aparecer
que o reprimir constante da força
desta sairá a derrubada
se bem que se hoje direcionem
                                                o potente
não é sobre a potência
mas sobre algo outro
                                    que mais vale expurgar
mas só a Massa
                                    tem a capacidade
            de se fazer poder
assim é que ela rompe consigo
                                                e
se torna outra que não massa
de resto mantem-se laboriosa
                                                mão aberta
                                                míope
pois não se vê a si
                                    enquanto potência possível
            e força primeira




















Da grandeza


por serem fracos,
                                    os homens
sem a si saberem,
                                    sentem medo
                                                            e
                                                ódio
a força,
            apesar, não diz coragem
pois pode manter-se força medrosa
e ódio mesquinho
para ser forte
                        coragem
                                                e habilidosa
não basta força
                        coragem
                                        e técnica
requere-se mais
é o salto
            que por cima e esmaga
é o penetrar
                        que adentra
                                                rasga
reconstitui
é olhar para si
                        olhando outro
que é a si próprio
outro que se esconde
            e que só o brilho clareia
é poder mais que si
                                    sem pequenez
mas,    
            altivo
                        buscar as coisas divinas
no seio do homem
pois não há deus que não seja
                                                homem
— fraqueza e ausência
                                    no homem
ser grande
                        é ter a si
buscando contornar
                                    e ultrapassar
o contorno
eis,      
            homem
                        o que vós digo
porque o que sinto

eis
            homem
                        ofuscado pela luz
— que não clareia,
                                    mas,
se pondo contra
                        o escuro
cega
e buscando integrar,
                                    submete.
Grande é o homem
que,
bastando a si
transborda,
                        e nunca enchendo
não cansa
Pois,
            se deu como sentido
            transbordar
como meio,
                        caminhar
e
            como fim
                                    ser grande
assim,  
            ultrapassa o ser pequeno
e o nada
            infinito
escreve a história
            sabendo o que faz
e arranca os chicotes
para tê-los
                        como cinto










O aproximar da loucura


Foi
em uma noite
escura e fria
transtornado por ser
eu gritei
            conversei sozinho
com roupas no varal

    que a mim pareciam um galo
com uma bicicleta infantil
    na qual enxerguei dinossauros
com pequenos brinquedos
    que se me assomavam o horror

com seu baixo murmúrio
e com sua pequena existência
            acossavam-me
eu,
            consumido pelo delírio
pela embriaguez
                        e pelo narcótico
disse-lhes
ora,
            não me atormentem
porque,
            as coisas não falam
objetos nada dizem
brinquedos e roupas,
                                    pois
falar,
            pensar
                        e com graça mover-se
são ações dos homens
os mesmos que a vocês criaram
Mas eu estava indefeso
se com as coisas
conversei
foi pelo pânico de estar
absolutamente sozinho,
                                    absolutamente
mesmo cercado
                        em uma festa
dezenas,
            homens e mulheres
Minha obsessão
                        me fez falar comigo
pelas coisas
se foi loucura da mente
lapso da razão
explodir do sentimento
ou pura alucinação psicotrópica,
vos digo,
            caneta e tinta,
papel e caderno
                        razão e inconsciente
eu e a eu mesmo
não posso dizer.
Posso ser internado,
                                    preso comigo
— sozinho.
                        e a toda hora
                             todo dia
sozinho direi
Mas
            essa fraqueza
                                    eu não posso
e este medo
                        eu extirpo
é como longa
                        e profunda experiência
que vejo
é como inspiração a este inscrito
Talvez,
            como o despertar
de uma nova era interna
terrível
            ou bela
ou ainda
lago de Narciso
que
            belo em aparência
            carrega a Morte
do escondido por si
na profundeza
                        das águas
permanentes
                        e plácidas
do escuro horrendo
do não ver
                        não ser
                                    e não pensar
(p. b.)
exp. 25/07/2008
escrito 27/07/2008, 14h09, Ribeirão Preto




























Do sofrer


Ai do homem
                        que não possui chão
suficiente para seus pés
ai do homem
                        que não encontra abrigo
em suas crenças
                        construídas com tijolos
                        trincados
ai do homem
                        pois mesmo com chão
tem seus pés quebrados
ai do homem
                        ai no mundo
à deriva
lutando para controlar
                                    a inconstância
o perigo
            e a força da vida
homem            
            a deriva
                        sempre exposto
ao alheio a si próprio
barco perdido na fúria maritima
viajante sobre ponte tênue
cidade sofrendo terremoto
ave com asa quebrada
avião em tempestade e turbulência
ai do homem,
                        ai
que um dia ele se firme
que certo de si
                        encontre no constante
devir
            sua morada
                                    e sua força
que podendo,
                        estabeleça
e embarque,
                        seguindo rumo a próxima dor.

27/07/2008, Ribeirão Preto, 20h19



















Sem título VII

 Sinto
            a morte dentro de mim
ela me chama
                        provoca
                                    seduz
embora sejam seus contornos belos
e sua perspectiva,
                                    não posso negar,

agrade,
            a renego.

Pois
            não sinto
                                    que tenha soado
                                                            minha hora

tampouco,
                        que minhas tarefas
                                                            entre os homens
tenham se dado
                        e completado
se ela,
            em seu intenso desejo por mim
mostra suas pernas,
                                    seus seios
                                                            e seu sexo

quando eu a busco contrariar
ela  mostra
os dentes,
                 as garras
                                    e as armas

resistir as suas tenção
é
resistir a seus perigos
porque a rosa tem espinhos,
e a boa comida engasga
e o bom vinho afoga
se-me reforço,
                        pois difícil o combate
a travar.
se duro o inimigo,
                                    duro serei
até que me sinta pronto,
até que me canse
até que seja sinta minha hora

27/07/08 22h30











Sem título VIII


o menino era novo e macio
vivia com o mundo
e
ele mesmo tinha seu mundo
mas,
            um dia veio
                                    o espinho
furou-lhe o dedo
cravou-lhe a carne
                                    o peito
                                                a mente
nunca mais se recuperou
tornou-se homem
murchou,
            encolheu
ainda que vicejasse,
                                    crescesse
o espinho tomou
                                    e adiantou-lhe
forças
pois agora homem,
                                    duro rochedo de granito
lábio cerrado
                        e seco.
                                    Perpassado.

inverno de 2008


Sem título IX


Calçada
                        rua
                                    calçada
homem
                        máquina
                                    homem
o pânico,
                        apossou-se das pessoas
não se diz: medo
há uma guerra em andamento
todos contra todos
                     tudos contra tudos

há pânico nas ruas,
                                    nas calçadas
há o que o camufle,
há o que anestesie
e há,
            também,
                                    o que o faz emergir.

inverno de 2008







As rédeas


Venha
            moço
                        venha
Venha
            moça
                        venha
o mundo é grande
                                    e nos chama
Venha fazer-lhe frente
encarar o deus
                        cuspir-lhe na face
afrontar o burguês
                                    seus dedos
                                                            e cérebro

venha homem mulher
nada nos há de limitar
vamos tomar tudo de assalto
vamos saltar
                        brigar
                                    bater
vamos arrancar
cortar fora a mão torpe
exercitar-nos
                        venha

vamos tirar nossas calças,
                                                cuecas
                                                            calcinhas
quebrar as cátedras
                                    as igrejas
                                                     as televisões
superar o mundo todo,
superar o universo
não parar,
                        não nos deter
vamos corroer as grades,
                                                as produções
Por isso tudo,
                        venha
somos a força
                        a origem
                                       e a correia
venha
            vencer o medo
                                    e o mesquinho
venha
            arrancar a vida
                                    do laboratório
pô-la nas ruas
arrancá-la de imagens
                                    textos
                                                pensamentos

fazê-la viva
se tenha,
            ultrapasse
quebre aquelas forjas,
                                    sê forja tua

quebre aquelas forças,
                                    sê força tua

venha,
            sejam todos um
e seja
            um
                        todos
é o futuro em questão
é o adiante
                        os séculos
                                                as eras
apague o sol
                        faça outro
destrua a lua
                        engendre nova

enfileire
                        assuma
                                    supere
mude   
            transforme
revolucione
                        alcance

02 de agosto de 2008





Preâmbulo

O passageiro


fumava no mirante. Ao longe via passar milhares de carros no horizonte; ônibus, fumaça negra que se juntava com fumaça branca
um viaduto.
trens parados na estação
na rodoviária, intensidade e movimento.
pessoas andando rápidas, como em um filme.
no interior, turbulência, também três mil e quinhentas coisas
o mundo, capitalismo, sexo, política, saber, medo
o roda-roda, as coisas torpedescamente voltando, rolando sobre si
no externo, o profundo refletido do interno.
o não sentido
era o quarto ou quinto cigarro na hora
eram sete horas da noite
o dia estava nublado após o grande sol da tarde
o ano confuso em seus meandros, datas e configurações
mas o mundo nunca para de rodar, o universo de crescer e o abismo de aprofundar
não há calendários ou previsões possíveis
as coisas são instáveis como são
 e o psíquico dança com a chuva e treme com e pelo raio
a fumaça fenece no pulmão
já o cigarro nunca reclama de suas faltas e nunca se rende frente ao indeterminado
não pergunta os nomes
                                    ou de sua vida
tampouco força a passagem com sua brasa ou lhe faz incorrer em desespero durante a presença.
sua falta fere, no entanto
mas completa enquanto dura
acalma, enquanto pode
mas falta
se completa
                        é porque falta?
            porque falta?
Ausência
            ou quebra da regra?
vácuo
            ou
                        estrondo
vida,
            morte,
                        capitalismo.
Outro cigarro
chacoalho,
                        acaba o gás do isqueiro
acaba o que dizer.
                                    termina.
passa
            como
            com
            a vida.


campinas, 23/08/08







Telegrafia

Quando eu tenho 21 anos
me sinto
            como nunca senti
pq sinto as asas crescidas
e o cérebro pulsa com as coisas
as idéias pulam e não sossegam
e eu vibro com a idéia de continuar
                                                            a existir
o mundo é vasto
e o horizonte nunca termina
o céu é sempre novo
e cada esquina guarda todas as ex
periências q o durar da noite pode proporcionar
no sol brilhar alto, a noite vagar nas
sombras fugindo da lua e do vento
uma ou duas coisas mudam a mente
e os anos prosseguem
c/ + e + novidade
e viver é estar nisto td
e passar pelo turbilhão
erguido, ignorando o q se deve
renovando dia a dia
se liberando das pressões
desfazendo dominações
se impondo a si
se saindo
preparando
p/ o q ñ aguarda
+ q o suficiente
Marília, 14/08/08 17h 11 minutos

Essência do ser

Há tempo
                        em que nada basta
o todo é vazio
                        o cotidiano devora
a burguesia completa,
a pobreza avalia
e a solidão cimenta,
solidifica
então,
            a cabeça se abaixa,
a vontade fenece
emerge o mais puro nada
e não se quer,
                        não se experimenta
resignação e sobrevive-se.

Se não aumenta diminui,
talvez não em relação a si
mas ao outro
Quando o animal não cresce,
                                                envelhece
e se a macieira cessa o fruto.
o machado transforma-a em lenha.
Afinal,
            quando o furor diminui,
e as pessoas são compreendidas
como desejantes,
e o mundo,
                        plenamente externo,
é plenamente outro
as coisas mudam,
a bússola quebra
e não há companheiro na luta.
Advém todo o mundo.
Confronto muito alto
Então,
            o desespero
Então,
            porta de entrada.
A perdição
Então,
            aquilo que se evita
Os rostos se desfazem com a história,
o corpo virá pó na terra.
mas
 nunca
para o mundo de dar-se
e a sociedade nunca interrompe seu processar-se.
as coisas
                        sem sobrar
                                                sobram
e no fim pouco resta de tudo
o mundo dói
a verdade das coisas:
não há tetos
                        ou
                                    chãos
quando se busca fundo,
petróleo ou água;
não o fundamento do ser,
a essência do universo
ou os objetos mesmos.
                                   

segundo semestre, 2008, Marília



























Outrora amigo

Enquanto tocava,
                                    eu observei
quando parou,
                        continuei a observar
Hoje,
            que já faz anos,
                                    ainda observo
porque olhei com tais olhos,
e tantos pensamentos surgiram
e todas as ações foram pensadas

aqueles olhos que eu tinha

eu via muito além

enquanto eu escrevo,
                                    toca
no passado me prendeste
De qualquer modo
conforma.
Às vezes pára,
                        outros ruídos
            nada a dizer,
mas volta,
                        sempre mantendo-se
não pára nunca,
                        porque não pára nunca
tomo o café
mantendo a duração
                                    do mesmo
Marília, 23/10/2008






























O animal

Aquele mesmo animal
Aquele que Pode e Conhece
Sabendo das coisas do mundo,
foge
Sabendo do que diz e faz o
Outro, ignora, resignado
com a maciez de seu próprio
travesseiro, seja de plumas
ou carne. Franco e forte, às vezes
busca e noutras não, apagado
destituído de seu trono metafísico
vagueia buscando alternativas as
quais o mundo não pode dar
e ninguém, e nada também
pode, somente deus ou a própria
matéria
Nisto ainda perturba-se com as
pequenas coisas, fixa-se nas pintas
do rosto ou na dureza das nádegas
ou ainda na beleza dos seios, nas
idiossincrasias do púbis ou nas cores
da pele.
Por isso fraco e forte, grande e pequeno
Maior e menor
Perdido,
               e encontrado




Tuas palavras

 Ao me dizer aquilo
quando eu entendi no profundo
quando adentrou,
                                    quando tuas palavras
                                    foram sentidas com toda
                                    força do significado
não sabia, ainda não sei o que fazer
dói, doeu
quedará doendo por dias

mentiu,

Para se manter em pé
o nariz restando cova aberta para frente
e teus braços permanecidos u ao contrário
e tua cor da mistura perfeita das coisas
teu cérebro feito público pelo de todos

hoje, me ignora,
e aquela amizade que contávamos e tinha
mos e todos diziam dela, pois amizade rival e filosofia

as tuas vontades contidas
e teu intelectualismo ao qual falta ação
mentiu.
não que doa sozinha a mentira
ou eu, moralista que não sou
lhe condenando por sua desonestidade
A questão é o motivo,
a questão é que agora vejo,
não fomos amigos
            e de nada valeu,
pois tão simploriamente,
                                                por motivo tão fútil
por questão tão pequena
                        por baboseira do cotidiano
mentiu.
como doeu,
                        como dói.
não lhe procurarei, no entanto
o dano foi teu
se eu perco e tu perdes
eu sustento,
                        como sei que tu também sustentará;
eis o fim,
                        eis a falta que não não se apaga
e qye tampouco pode ser facilmente preenchida
porque se tratava de política
                                    de amizade
                                    de filosofia
                                    e de arte
e de mim,
                        e de ti.
apartado,
            então,
que assim quede,
                        prossiga o tempo a hist-
                        ória e as forças

rumo ao fim
                        que a morte
                                                e que tudo torna igual

25/11, 01/12, 2008




























A tribo

Só quando há homens e mulheres
o dia do grupo
homem,
            animal que não só
pois a língua une,                
                                    a lei e o costume
a arte, a letra,
                        a fraqueza física,
a vontade
mas também,
                        a fome o frio a doença o medo

            a dominação
condenado a ser a si próprio,
enquanto depende do outro
liberdade na dependência
autonomia na escravidão
eis homem,
                        eis mulher
é a vida do grupo

comendo com aqueles que se convive, no ritual que lava
                                                e prepara o alimento

ou dormindo com os íntimos,
                                                acordando à noitinha
                                                olho fechado, sobe barriga
                                                                        desce barriga

falar sozinho e tu a ouvir,
                                                às vezes ronco
ou susto do pesadelo que faz levantar súbito
ver a nudez,
                        vestida ou não
e poder confiar,
                        sem que o leão da traição
ruja ou os fios desta juba
minimamente brilhem na
possibilidade

ou de costas, permitir a presença da facaou
                        da arma que rápida podem matar

e comer o que se lhe é dado
                                                sem o temor do veneno
ou a água que bebe,
que quantos já não fez tombar

Mais ainda: dizer das coisas que se pensa,
         ouvir o que aflige

também, união contra o que ameaça ou desagrada
            prazer em estar e poder a sinceridade
            que o mundo pede, nega e castiga

além,
            andar sozinho sem temer o perigo do
            animal que preda
ou a fúria cega da natureza que não enxerga
            ainda que os olhos abertos

acordar sozinho
mas saber-se acompanhado
é o apoio e a força,
pena que decepada e perdida
e incompleta na dominação que há
e indesejável pela dominação que há
restrito ao grupo menor
            ou a si quando não proibido























Fragmento

O mundo dos idiotas
dos presos,
                        o mundo do arreio
o mundo de fato, real

do comércio, das religiões dos patrões
da dominação
do lobo é o homem do lobo
condena a solidão quem pensa
faz do poeta
                        nada
o reduz a destroços
fá-lo chorar, querer outra vida
o derruba, o destrói
















A busca pelo par

Há tanto tempo eu procuro
mas não encontro nunca
            não merece o homem repousar entre os seus?
olho aberto,
                        aqui e ali
olho vivo que não pára
ouvidos atentos
            e o nariz sempre alerta
na busca daquele
                        na busca daquela
dos dois
            e de mais uma
            é que o cheiro importa tanto quanto o olhar
que pára, vislumbrado
                                    em estar sendo olhado

a cada vez
                        que penso terminada a busca
eis que me frustro
eis que me desfaço

quase resigno e paro
porque deve ser filosófico
                                    beleza
                        e força

deve desconcordar com as coisas
                        deve querer superá-las
ao me ver,
                        deve não só o corpo olhar
mas profundo,
                        mas profunda
ouvido, olfato e visão
                        paladar da minha língua
tato do corpo,
                        mas,
                                    mais importante
tato da alma
pelos deuses em que não acredito!
esta busca me consome
não ver refletido
                        jogar e ação sem retorno
frustração,
                        agonia pela falta

mas sei que h´´a
sei que em qualquer esquina
                                    e vizinhança

sei que em alguma estação
                        ou ponto de ônibus

eu pararei,
                        os olhos verão
pum-bum, pum-bum, pum-bum
o aroma,
                        saliva na boca
correspondência
então brotará luz e força de nossos
                        ventres unidos.

Uma boa noite


Tua auréola rosada acariciou
                                                O céu da minha boca
A firmeza de teus fartos seios
            A vergonha de teus olhos
            E a falta de luz de tudo
Enquanto minha língua rodava,
Enquanto teus olhos subiam,
            E indo e voltando
            E a rapidez crescente
            E o barulho das vozes incontidas
                                                Até que repuxou
                                                Até que repuxei
                                                Até que ele repuxou
Os três,                       
            então,
soltamos.
                        E esta foi uma boa noite.












O pânico


Por todo lado eles mentem
mas quando se vê depois
                        depois deles,
                        atrás da mentira
— não lhe perdoam
querem arrancar-te os olhos
ferver suas vísceras
no molho que chamava tu de cérebro
nas páginas dissolvidas em cal
do que chamavas teus poemas
e tua filosofia
se contentam com essas pequenezas
— e são todos
querem somente mais um dia
                            mais uma reclamação
outro motivo e mais um
contentados com nada
fracos,
            sequinhas e sem um pelo
            moles e sem ânimo
destruídos,
                        acabados
mas prosseguindo
                                    e vendo ao contrário!
e odiando quem ao contrário
                           ao contrário vê
e que não se deixe comprar
porque prefere morrer a agachar
porque não é pombo de contentar-se com o
mínimo das migalhas
porque não é lasso,
                                    vendido
porque é solitário e o rebanho odeia
tolos: na tumba todos são solitários


























Mãe

mãe minha
                        mãe minha
porque me paristes?
 este mundo —
                        não mãe,
                                         eu não o mereço
não mãe —
                        porque queres me castigar
mãe,
            quantas coisas me dizem
quanta falta,
                        e quanto medo
mãe,
            e que selvageria indizível
vontade de correr para o alto
            e depois do mundo
mãe,
            vontade de chorar até me secar
            inteiro

não consigo dormir
então bato os dentes à espera
não há como fugir
mãe,
            então devo encarar?
            é inevitável?
ah,
            mas eu posso mãe?
            sou tão frágil
            e sou um só —
ainda que casado com quinze filhos e novecen
tos colegas e sete mil e trezentos amigos

mãe,
            mãe

mas,
            não é melhor me evadir?
a cada esquina há oito igrejas
a cada quarteirão um puteiro
em cada casa uma televisão que me mostra
o mundo sem que eu o veja
em cada loja, em cada produto, em cada
tostão e centavo
posso fugir em tudo, e por tantos meios
mãe,
            não é isto tão mais fácil?
por que encarar,
                                    por que me ver,
por que me olhar nos olhos
de frente e sem óculos
sem piscar nem observar acima abaixo ao
                                    lado ou atrás?

mãe, tenho tantos anos
            me dizem adultos,
mas sou frágil,
                        mãe,                
                                    como sou frágil

todos o são, mas devemos encenar
não divina,
                        mas humana comédia
mãe,
quando morrer,
                        quero rosas e cravos
quero a sagração como música,
                                                            mãe
a polícia lhe assassinou, mãe
os patrões lhe roeram os ossos,
                        tornaram mole tua carne

mãe,
            o estado cobrou-lhe a vida inteira
e morreste na fila
            pela bala que ajudaste a pagar
mãe,
            teu caixão era madeira de caixote de feira
tua tumba,
            um buraco obsceno
            cavado às pressas
            no fundo do cemitério

mãe,
            mãe. Que miséria de vida
                        que conforto em fugir e fingir
vontade de correr e que medo em ficar
mãe: estou completamente perdido

Ribeirão Preto, 24 de dezembro de 2008


Cantiga de Natal

Aleluia,
            aleluia,
                        aleluia
aproxima-se o dia
em que, de fato,
                        mataremos o Cristo
aleluia,
            aleluia,
                        aleluia

sem salvadores,
                         sem além-mundos
                        sem fora-mundos

aleluia,
sem pecado ou condenações de preconceito
oh,
            aleluia
sem igrejas que manipulam
e se valem dos medos para
perniciosamente se impor
oh,
            graça e aleluia

quando nenhum homem se sentirá abjeto
pelo fato de ser homem
quando ninguém verá no prazeroso sexo
pecado

quando ninguém se curvará a imagens
a ídolos
            quando ninguém  acreditar em
            historietas infantis,       
                                                em imaginárias
            entidades sobrenaturais
em outra vida, 
                        em alm a
para sempre aleluia,
                                    dez milhões de vezes
aleluia
& boa morte cristo
pois nós queremos
                        é uma boa vida

Ribeirão Preto, 25 do 12 de 2008
















Sem título X

deitado em minha cama
enquanto o vento lambe minha nuca
e eu esperando que algo ocorra

três séculos, mudaram os ricos e
os riscos também, mas as pessoas pensam
igual, e a covardia não diminuiu sua sanha

do chão do asfalto citadino continua a
crescer um mato verde-fosco chove agora e
mudou o cheiro do vento é noite e está fresco

a caneta com a qual escrevo é nova sua tinta
azul e sua ponta fina escuto Mozart tocando
uma bela música que inspira um jogo de cartas

estou sozinho no quarto minha mãe dor
me na sala é fim de ano lá fora a gata na rua
os morcegos voam e há uma barata escondida

hoje eu li Platão Pound Guinsberg e Solomon
meus livros de Pessoa não estão aqui senão leria Álvaro
de Campos que seria inspiração neste quarto hospício

Enrolo antes de dormir, a luz está acessa e já
se divisa a aurora, pena que somente doutro dia
de outra era ou outro modo de pensar de todas as pessoas

três séculos e se pensa ainda o mesmo cão do cú
eu não agüento mais este fim de mundo mental deste pla
neta na periferia do universo eu quero a grande
za de algo maior que não existe senão na poesia

Ribeirão Preto, janeiro de 2009



























Sem título XI


Alguns anos me separam do último texto que escrevi. Não sinto mais a força que me impelia à caneta e ao papel, e, antes disso, a ideia e o sentimento. Não mais, não. Antes, o pensamento disperso e fragmentado, busca subterfúgios na poesia, dinâmica, rápida e direta; o texto, ao contrário, demanda uma urdidura de sentido a qual eu não posso mais me submeter; o texto requer tamanho apego, causalidade e linearidade que minha mente, confusa, dispersa pelas drogas, não pode fornecer. É injusto dizer das drogas; é que quando eu escrevi, o mundo não havia se mostrado, eu não o sabia, eu não o imaginava, tampouco podia com ele.

janeiro de 2009



















Sem título XII


Muito bem:
já faz um mês que não lhe vejo
            escuto  tua voz
e teus olhos e
            boca pequena
                                    que eu não
gosto
mas gosto tanto
Um mês!
            no tempo dos bancos e
                            dos malditos ricos

no interno: faz oitocentos anos
                   enquanto faz dez minutos

parece que entra    sai
                                    e
            sai            entra
não sexo: a lembrança
                                    e a vontade
    a imaginação

Há tantos anos
eu espero
Às vezes fecho os olhos e ainda não te vi
                                    — quando abro
estou a espera
                        e roendo as unhas
tantos anos
espero que desta vez ocorra
                        espero  que dê certo
                        que frutifique
                                                e acordemos juntos
eu não fumo mais então não acenderei um cigarro
mas ainda assim
eu estarei lá para segurar as pontas
e vc     
            se quiser
                        estará também
e contaremos um com o outro
faz tantos anos que te espero
aquele chavão: mesmo sem te conhecer

não sei teu caso
mas quando entraste pelo saguão
vermelhas tuas vestes
quando olhou
                        eu vi
e havia lido uma velha peça com seu nome
quando olhou!!!

mas,
e especialemnte,
quando ouviu provou e disse
esteve ali e lá
                        e eu esperando

ainda que teus dedos emaranhados sobre outr
as bandas e tua unha com restos de outra pele
pêlo, cheirando um perfume estranho

ainda assim, eu estive lá, e ainda
estou:
            segurando as pontas

Ribeirão Preto, janeiro de 2009

























Intróito

A profecia. Dizer hoje o que se passará amanhã, ou depois, ou ainda mais adiante e um dizer que não se comprova no imediato, mas somente em outro tempo que agora. Portanto, não dizer da certeza, mas do possível.
Palpite, assim.
Tantos são os poetas que se fizeram adivinhos, ou que somente dizendo do devir, acertaram. Outros tantos, o mesmo fazendo, erraram e erraram.
De qualquer forma, não é disto que se trata. Antes, é poesia de desejo profundo de agir; mas que, vendo-se tolhida da ação mesma — que envolve suor e sangue —, por motivos tantos, se expressa no imorrível e na letra e na plena possibilidade que ela permite.
Não é programa ou dizer ao outro o que fazer.
É dizer de si, a si, como agir, e o que deve advir se si mesmo for o que mais pode.
Se dando como força, congela o presente no futuro que se deseja e se põe hoje por ele.
Não enfraquece a si ou voa. Põe-se no estrito hoje e canaliza este que que sucede, o amanhã.
A linguagem é profética.














Profesia

[ordem de publicação]

a caminhada
a escrita
a lembrança
o ser
o aviso
o interior
o dia
song for myself — today
sermão da trincheira
do homem, da mulher
o dizer do sentido
a escada
exéquias a Maiakóvsky
a escrita
a vida das pessoas

[fim do manuscrito

Nenhum comentário:

Postar um comentário