P
R
O
F
E
S
I
A
OU
-
DIZERES DO FUTURO QUE SE ANUNCIA
GUMA
RIBEIRÃO PRETO,
MARÍLIA,
FRANCA
2007,
2008
“ porque é justo que o homem não busque se deleite na selva de
sangue da manhã próxima. O céu tem praias onde evitar a vida e há corpos que
não devem repetir-se na aurora.
A Profecia.
Dizer hoje o
que se passará amanhã, ou depois, ou ainda mais adiante. É um dizer que não se
comprova no imediato, mas somente em outro tempo que o agora não contempla.
Portanto, não dizer da certeza, mas do possível.
Palpite, assim.
Tantos são os
poetas que se fizeram adivinhos ou que somente dizendo do que deviria,
acertaram. Outros tantos, o mesmo fazendo, erraram e erraram.
De qualquer
forma, não é disto que se trata aqui. Antes, é poesia do desejo profundo de
agir; mas que, vendo-se tolhido da ação mesma – que envolve suor e sangue –,
por motivos tantos, se expressa no imorrível da letra e na plena possibilidade
que ela permite. Não como recalque, vejam bem, mas, sim, como vontade que necessita
justamente fugir do recalque e se fazer força ativa e ouvida.
Não é programa
ou dizer ao outro o que fazer. Tampouco é dizer do outro pelo outro.
É dizer de si,
a si, como agir, e o que deve advir se si mesmo fosse o que mais pode.
Se tendo como
força, congela o presente no futuro que se deseja e se põe hoje por ele.
Não enfraquece
a si ou voa. Põe-se no estrito hoje, e canaliza este no que o sucede, o amanhã.
De profético,
há a linguagem e o esperar, e o agir para a esperança.
Mas, escrever
não é somente morrer o desejo no papel. É também, agir. É pôr força, esperança
e habilidade. É saber desenterrar o oculto, e, neste caso, forçá-lo para fora.
Porque o escrito influência a ação; é ela o fim. O escrito, por si, nada muda.
É somente o suor e o sangue: a força se fazendo forçar. Mas força que, quando
escrita, pode ou fugir do mundo ou saber-se escrito não no hoje-que-é-amanhã,
mas no hoje-que-será-ontem. Como inspiração, portanto.
Eis a intenção.
Dizer hoje o
que se espera no futuro e inspirar, talvez hoje mesmo, talvez amanhã, talvez
nunca, os homens.
É este o sentido explícito. É nestes
termos que se espera a leitura. Não como bíblia ou corão, mas, como poesia, que
ainda que profética, profesia, mantém-se poética.
MKNS
Mar,
nunca
o vi
mas sei que imenso
então
a ti
poema eu teço
Cel,
por
sobre a cabeça
pedras no chão
se
a escrita intensa,
a palavra arpão
A
profunda
miúda
mudo poema
de
luz a terra inunda
ainda que pequena
O sol
Naquele dia, o sol não nasceu
Não foi no primeiro, mas no segundo dia da semana, portanto, não era a
descriação. Os galos não cantaram, as donas-de-casa, os trabalhadores noturnos
e matutinos não entenderam, culpavam seus relógios, reclamavam de “como tinham
acordado cedo” ou de “que droga de tempo que não passa” ou de “acordei cedo
demais e não chega a hora de ir, que bom”.
Quem se alegrou não ficou assim por muito tempo. Logo, plantões
jornalísticos apareceram: “hoje, segunda-feira, o sol não nasceu. Não se sabe o
que aconteceu. As autoridades pedem calma e dizem que todos os cientistas do
país serão mobilizados para descobrir o que houve. Não há motivo para pânico. O
dia de trabalho foi suspenso, exceto para os serviços essenciais e para os
militares. Voltaremos a qualquer momento com mais notícias”.
Correram, gritaram. O medo
tomou tudo. Todos sabem que sempre que se pede calma,
é
hora do pânico.
Houve saques, hordas invadiam, tomavam os supermercados, as lojas.
Desceram para o asfalto.
Os ricos tremeram.
O presidente declarou estado de sítio. As pessoas voltaram para as casas.
Muitos choraram.
O segundo dia sem sol foi terrível.
Era o fim do mundo. Os dias dos homens estavam terminando. As horas
derradeiras.
Milhares saíram às ruas. Pediam clemência, anuência. Rezavam, imploravam
por deus.
As igrejas ficaram abarrotadas.
Os cientistas não sabiam o que concluir. O sol havia desaparecido, não
estava aonde havia estado nos últimos milhares de anos. O porquê era a dúvida.
Nevou no Rio de Janeiro.
A comida terminava.
Mortes aos montes
Os homens eram dependentes do sol. Viciados. Sem a luz brilhante — alta e
inalcançável — onipotente, eles se perdiam. Luz que paira além do homem.
Os demais animais não correram ou uivaram. As plantas não se desesperaram
se recusando a dar frutos ou a continuar crescendo: morriam em paz. Somente o
homem.
No terceiro dia, soltaram os prisioneiros e os loucos. Com a escuridão
não havia mais a necessidade disso. Afinal, era o fim se anunciando.
Iniciaram os preparativos para a volta do altíssimo. Flores, frutas, pão,
vinho. Procissões imensas.
Grupos de oração, rodas de macumba, cultos, possessões, psicografias,
meditação: igrejas, mesquitas, bancos, templos, sinagogas.
Não houve retorno
Durante os anos seguintes, também não houve.
Os homens morreram, todos, secos.
Os animais voltaram a dominar.
As plantas aumentaram. Não demorou para que tomassem novamente as
cidades. Foi o fim.
Fim do homem e, com ele, da luz, do sol incandescente. Fim do sentido
*
Acordou assustado:
tivera
um prognóstico
Criou sua religião, conquistou milhões. Em anos, era o maior líder
espiritual do planeta.
Quando o verdadeiro fim chegou, viu-se errado. Não falta, mas excesso de
sol, não volta, mas permanência.
Não fim dos tempos, fim das medidas e dos medidores.
Não falta de calor, todo calor: a rosa nuclear.
Quando, fragilizado, caiu no chão, prostrado, duvidoso, últimos momentos,
seus olhos vazaram, o sol enegreceu, a bom regrediu.
Queda da luz e do sentido
Morreu em pé.
A escrita
Chuva
Bata
contra as coisas
Raios
rachem
o mundo
Ventos
Carreguem
o pó que se acumula
Gelo
Pipoque
nas testas
Meu pincel
Minha caneta
Os acompanham:
Balancem o real
Eu imploro.
Eu vejo
Escrevo
Fumo
Olho
Ribeirão Preto, janeiro de 2008
Oração
Dois mil anos
Se passaram
E
do Cristo
Não
temos nada
Ainda corre pó aí
a promessa de sua chegada
mais um dia se passou.
De cristo?
Não, ainda nada
Dois mil anos,
Dois mil anos,
De sua volta.
Na cruz disse o homem
— Jesus
—
“voltarei,
terei
com todos,
o mundo será outro
dos pobres,
dos bons
e durará
o
século do séculos”
Cristo,
Cristo
Se acumulam por ti
Berram por ti
Batem por ti
E não vens
Saia
então
Parta do mundo
De
vez
O homem deve depender do homem
Cristo,
Cristo
Hj és grana
Tão benquisto
Dois mil anos
Se passaram
De sua volta nada
Vive apenas nas mentes
Na mão de quem toca enxada
Na cruz abandonado
Foste tolo,
Também foi enganado
II
Jesus,
Dois mil anos é muito tempo
Jesus,
Lhe usam como desculpa para tudo
Jesus,
Ainda se aproveitam de sua memória
Jesus,
As religiões são perversas
Jesus,
Deus inferno o céu e o diabo
eu não acho que existam
Jesus,
Estou rindo da sua cara
— não por sadismo, mas como
se ri de um inocente enganado:
misto de pena tristeza e
um pouco de alegria —
Jesus,
Foste tolo
Pagamos por isso até hoje
Ufa
Jesus
Eu nunca acreditei
Em
você
24/01/2008
A lembrança
Com poucos anos
já vejo claro
quando olho
aqueles dias,
faz tão pouco
e
tanto tempo
aqueles dias
era eu, então,
ainda
mais jovem,
a força de novo homem
corria
deslizava
pulsava
em mim
eu era um coração sem peso
uma mente sem limite
um músculo com toda força
como era
era
tanto
e tudo
e todos
isso aí
era
isto aqui
quando
—
porém —
transei com o mundo
oh,
eu
oh
tudo murchou
ó gozo de meses,
lágrimas de vida
amargou
s—
eco,
ceo
soe
me abri para
dentro
avesso do contrário virado de ponta
cabeça
só do reverso
naqueles dias
foi ali que
brotou
poesia
ali
foi ali
q
expulso,
choroso
desentendido
defini-me
raivoso
niilista
maldito
: poeta?
Casca
De
Casco
Grito, uivo
Tudo ao mesmo tempo
— de vez
brotei, surgi. Eu.
Sem título I
Esta sociedade
A mais contraditória
A mais rica
Pq
A mais pobre
Riqueza
Que
custa
Pobreza
Ciência
Que
depende
Da ignorância
Sanidade
Loucura
Amor,
Muito
amor (barato de novela)
Para esconder o ódio
Um deus,
Divino
e alto
Que esconde o mundo
Profano
Mesquinho
Baixo
A poesia pomposa, as escritas
revisitadas
Que fogem dos bilhões de
analfabetos
Eu-eu contra eu-nós
O aviso
Hoje,
Aqui
Nós todos rimos
Bebemos
Cantamos
As velhas canções
Hoje
É
só mais um dia
Parecido
com ontem
Com
sempre
Com
amanhã
Até quando deixaremos os dias se
parecerem
Enquanto rimos
Bebemos
Ao som das
Velhas
canções
Trama-se o futuro
Atrás de mesas
De cassinos
Que cores terá esse futuro
Nós
Que
podemos fazê-lo
Nós
Que
podemos mudá-lo
Imprimir
Nas
teias grossas
Da
história
Nossa marca,
Nosso desejo
Nós rimos
Bebemos
Cantamos as velhas canções
A sombra do futuro
— que sobre nossas cabeças paira
não é de riso
ou de bebida
é de dor,
de
cor vermelha
mas não é vinho
é sangue, coagulado, acumulado,
ensacado
eu olho
e
vejo
a terra mesma pulsa
os músculos trabalham
contraem
a luz elétrica ilumina
contam-se corpos aos milhares
nosso futuro é a guerra
por vida
por
água
guerra verde,
Washington sorrindo
balas, balas,
abismo sob os pés
*
eu tenho visto
e
corro
corro contra a
história
que se faz
Eu, a pé,
ela na Ferrari
último modelo
—
vermelha
Eu aviso
eu adianto
já cantamos
demais
a hora é de agir
nós somos o
futuro
o que fizermos
ou
o que nos reservam
é nossa escolha
rindo
bebendo
ou á força
mudar
é nossa,
é nossa
A caminhada
andei dias,
andei noites
eu vi casas,
eu vi pontes
vi terrores
fuzilamentos
amores
excrementos
por deus
pelos deuses
vi de tudo
provei
vi casais
solteiros
estupores
vi gays
puteiros
amores
o sol
a noite
vida se
desfazendo
gente
desfalecendo
milhões morrendo
a escuridão tudo
tomar
a luz
aos poucos insinuar
ouvi discursos
falas
cofrontos,
balas
vi o tabaco
a
maconha
a coisa
mesma
eu vi
sobre todas
meditei
pedi
anão ser
atendido
continuei
andando
rindo
rindo
não parei
com a tempestade
ou com o furação
não perdi a
majestade
não ganhei
nenhum tostão
implorava
piedade
em toda parte
ouvia não
vi ricos de
carro importado
o pobre
amontoado
no coletivo
lotado
cinza, fatigado
eu vi rugas
nas
janelas
estradas
amoras
ervas
profetizo tudo
que virá
sei de tudo —
a
história dirá
assim é que
canto
o mundo
ninguém
jamais me esquecerá
encerro
cheguei ao fundo
agora não há
nada
só
o tempo
o
espaço
— o absurdo
Sem título II
eu
ao
sol
na grama
que brilha
ilha
ilha
provava
a
brisa
e ria
ria
me sentia
livre
apertava meus amores
e os ares
ares
ares
tinha livros
de poesia
—
alegria
eu os lia
lia
O hipnótico
passei
anos
sentado
em frente
a televisão
meu corpo ganhou quilos
o pensamento tornou-se
mole
as pãos
se
confundiam
com as mernas
não ando
não
pego
o olho
a
íris
secou
não vejo
não há nariz
para sentir cheiros
o único som que ouço
é o chiado
magnético
a pele tornou-se grossa
e obscura
não sente
não tca
como é mesmo o mundo?
Como é mesmo cviver?
Permaneo prostado
o sofá sou eu
ah,
aquelas
luzes
ah
aquelas cores
o dizer que nunca cessa
belo
elo
com nada
bela
tela
que encanta
telepatia eletrônica
Platão de nossos dias
tele
— tela
tele a-visão
letes em vida
assim
permaneço
assim
eu fico
morno sem urro
outro dia
terminou
deito,
durmo
foi a vida
me
encaixo
cessa a visão o chiado
morro
Canção de mim mesmo — hoje
eu
jovem
inteligente
belo
eu
vigoroso
ávido
renovador
eu
forte
cálido
extremo
eu
destro
de esquerda
lutador
de miséria
estrondo
no horizonte
eu
tomei
sete facadas
eu
envenenado
pelo dia
eu
defronte
ao mundo
jazi
¡assassinado!
Pelo papel-moeda
moenda
pela cegueira
consentida
dos homens
pelo falo
avassalador
dos universos
pelas vaginas
carnívoras
dos animais
pelo céu pela
terra terra
pelo sapien
pelo ar sujo de
diesel alcool
das vilas
pelo bombardeio
sem tréguas
das ondas
pela força
gritante dos ricos
que somam
pelos burgueses
unidos que masscram
— maçons
pelos acadêmicos
liberais consigo
e consigo
pelo terror que
não distingue altura
ou gordura
pela influência
que jorra das caixas
— fantasmas
eu
morto por tudo
eu
morto por todos
eu não pude com
essa
matemática
maligna
dos
bancos
eu
virei
pra dentro
na
carne
eu
desfeito
me afoguei
no
sangue
eu
que
tudo já quis
hoje
pouco quero
eu
fruto
de mundo
esquizofrênico
esquisito
eu
cadáver
vivo do que
não
pude ser
eu
anarquista
de um mundo
regrado
etiquetado
eu
niilista
nos dias de
afirmação
tola do homem
eu
filósofo
nos tempos
de
manuais de instrução
eu
poeta
da era
das
novelas
eu
louco
vagabundo
imundo
desprezado
pela
chuva
eu
destruído
eu
abestalhado
eu
morto
eu
febril
batendo os dentes
e,
u
era
fui
sou
serei?
Recordação de um poeta
À Lorca
que
com o próprio corpo
resistiu
aos anjos organizados
À Lorca
inimigo
de meus inimigos
empecilho
no horizonte
Lorca
que
chorou oito oceanos
por
não ser como todos
Lorca
filho
de Whitman
irmão
de Ginsberg
parente
meu também
Lorca
o
do sentimento
o
da tragédia
o
do fogo
Lorca
flor
da Hespanha
leão
em agonia e desespero
verruga
infinita sombreada
Lorca
distinto
ainda que
na
vala comum
em sonho
Lorca
estou sentado
sobre sua tumba
chorando
que com seu suave olhar
via
no
lamaçal denso
do mundo
um diamante.
Seus rabiscos inteligíveis
expressivos
Lorca
menino
de sua terra
de
onde arranca tanta força?
Diga
Lorca
lhe
imploramos
ó
rosto campestre
letras
do pastor
Pedimos
desça
do Panteão
e
murmure
com teu escrito
e com tua presença
diga-nos.
Esperamos sua história
posto que afinal
ela é nossa
Ribeirão Preto, agosto de 2008
Sermão da trincheira
Grito
venham
a mim
homens
venham
a mim
mulheres
venham
as crianças
venham
os jovens
venham
os velhos
não distingo
altura
peso
compostura
não distingo
nem miséria
nem
fartura
não distingo
nem o credo
nem
as cores do sexo
não distingo branco amarelo
negro vermelho
roxo
ou cinza
eu os faço
eu os formo
eu os digo
pormim treme a própria
base das coisas
faço rolar os montes
— os montinhos
os
montões
as
montanhas
têm-se febre por mim
todos
choram quando passo
me
evitam
Tolos!
Eu os sou
sou o Verbo
sou a Lei
sou a própria essência
dos
bichos
dos
astros
dos
quinze céus
venham todos a mim
quero vê-los de púrpura
quero vê-los
empapados
em
seu próprio
sangue
batam-se
vençam
percam
dominem
homens de carne
sou o rugido infernal dos tanques
sou o estampido surdo das balas
o corte furioso
eu fundo
eu
posso
sou os debates
sou as discussões
sou os dentes tremendo
a aflição
sou o afronte
das coisas
eu digo o que é
verdade
eu vos faço saber
sou ainda
a alegria
a corrida pelos campos
eu desabrocho as flores
eu permito que voem
os pássaros
e os aviões
gerei a razão,
gerei as letras
em mim
gesta
o universo
sou o embate
o conflito
a derrota a vitória
membro pendurado
fenda na carne
não me tema
se deixe levar por mim
me
dobrem
me submetam
ganhe o jogo que proponho
criaturas todas
sou o duelo
sou a guerra
eu sou
mais
que o próprio deus
não vire o rosto:
sê
não fuja:
encare
não se mije:
prepara-te
pronto
— ou não
—
eu virei
porque sou o motivo dos seres
e o motor velado das coisas
eu demarco o impossível
eu dito o absurdo
erga-te:
a
hora chegou
é já
é
antes
é depois
é sempre.
Adolescência
O talo jovem
e belo
partiu-se
— graças
a teu obscurantismo
não foi vão ou
sol no céu
doeu
como
se minha própria
espinha
tivesse partido
como se as vértebras
desfeitas
não fossem capazes de suster-me
como homem
o cérebro
em desespero
não pôde entender
a melancolia
tal que
só pensava
em como
por ti
eu viria a padecer
Do homem e da mulher
homem e mulher
caso,
algum
dia,
haja fraqueza
em ti
apóia-te em outro homem
ou mulher
pois é tudo que tens
no entanto,
antes,
tens a ti
poois és o únicos
que jamais,
jamais
vos abandonará
na aridez deste deserto
chmado vida
sê fortaleza
o mole ruíra
tão-somente o afiado
e o resistente
persistem
amola-se
endurece-se
se a vida,
ela mesma
é
destruidora
a vida
nestes
dias
também e muito mais
em grupo
sejam
em grupo, não aceitem
Sem título III
Faz semanas
ñ me alimento
ñ há fome
(de dentro)
a comida é pesada
e eu estou meditando
quase
todos os dias
virado para a mente
olhando o espírito
o encaro
rosno
duelo de vontades
é necessário a leveza
pois tênue espírito
ligeiro.
o espírito é a coisa
mesma
que
sou
coisa mesma que são
somos
existe-o?
eis o que busco
mergulhado
na profundidade
respirando
vácuo
a-metafísico
de guerra
de carne
de relação.
o que permanece
espírito de lama
fria
Sem título IV
Tomado de ódio
o
homem
lançou seu crânio contra a terra
perguntava.
A ousadia.
a ousadia de se pôr contra o dado
o fundado
e
estabelecido
a força que retirou de si
o dano que a própria terra
lhe proporcionou
o medo,
a
insegurança
e a solidão
eis que foi revolta
um homem rebelado contra
o assimétrico e o indiferente
desigual
infundo
não vacilou:
após fechar o punho,
jamais o abriu novamente
mas
morreu de mão fechada
atado
e dolorido,
digno,
no entanto
abril de 2008, Marília
O amor guerreiro
antes da palavra começar,
muito antes
Eu te olhei
Tu me olhaste
Momento: não precisávamos
de
nada
Mas hoje,
com o acúmulo
das
horas
da muda
dos horrores
Saber que eu te olho
e que tu olhas minha boca,
não
basta
há o desejo.
a carne.
a mão fechada
o corpo
Aperto.
Forças unidas
contra
os horrores
contra
as fezes.
maio de 2008, Marília
Sem título V
Talvez minha poesia
talvez
pareça uma confissão
mudo murmúrio
melancólico
pode ser que seja
mos,
pois o mundo nos afronta e pede
e o mundo
— que
não é só vivos —
extrai.
o mais fecundo é o mais perigoso
confessar é viver
pois se dizer ao mundo
e pagar pena pelo que se diz.
maio de 2008
Sem título VI
Por mais que corra
dá-se em si
a prisão não é só prédio
ou correntes
e
algemas
e
as esferas de aço
o tempo aprisiona
o espaço
Pois,
lançados
no mundo
é-se corpo
e
coisa a perceber
o corpo é amarra do percebido
perceber é estar atado ao corpo
um prende e permite o outro
um sabe isso do outro
e eles sabem isso,
dos dois
ambos finitos
retornam
e
diminuem
na privação privada que é a morte
e a própria vida é ter que
privar-se
sem eu
tudo
é o limite
pois nada
conviver com isso e aquilo
beber desta e daquela
se o deus houvesse
o lançado de outro modo seria
ter consciência de tudo
tempo externo par fazer
e o espaço infinito e multilocalizado
para estar
nada havendo,
quer-se tudo
e só com essas
as maiores palavras
é que estas coisas se pode dizer
o mais geral é o mais vago
e da palavra a qual
abarca quaisquer
e o círculo todo
é porque não prende
esta é a poesia
permissão para o vôo
o flutuar
mas nem ela
de si
escapa
e nem ela é a própria chave
viver é nessas coisas enfurnar-se
a
palavra poético
embora engane
só pode em si dar
Ribeirão Preto, Julho de 2008
Da massa
Quando a força da
Massa
se der
quando
sua mão plenamente
fechada
quando
seus olhos
aguçados
vendo
o
que não via
quando o músculo pleno
a
si se moldar
e a Massa pensar-se para si
(pergunto ou respondo?)
potência terrível emergirá
golpes de econômico e cultural
rasgar do homem pelo homem
então o sangue jorrará
— antes jorrando que contido
antes o súbito aparecer
que o reprimir constante da força
desta sairá a derrubada
se bem que se hoje direcionem
o
potente
não é sobre a potência
mas sobre algo outro
que mais vale expurgar
mas só a Massa
tem a capacidade
de
se fazer poder
assim é que ela rompe consigo
e
se torna outra que não massa
de resto mantem-se laboriosa
mão
aberta
míope
pois não se vê a si
enquanto potência possível
e
força primeira
Da grandeza
por serem fracos,
os homens
sem a si saberem,
sentem medo
e
ódio
a força,
apesar,
não diz coragem
pois pode manter-se força medrosa
e ódio mesquinho
para ser forte
coragem
e
habilidosa
não basta força
coragem
e técnica
requere-se mais
é o salto
que
por cima e esmaga
é o penetrar
que adentra
rasga
reconstitui
é olhar para si
olhando outro
que é a si próprio
outro que se esconde
e
que só o brilho clareia
é poder mais que si
sem pequenez
mas,
altivo
buscar as coisas divinas
no seio do homem
pois não há deus que não seja
homem
— fraqueza e ausência
no homem
ser grande
é ter a si
buscando contornar
e ultrapassar
o contorno
eis,
homem
o que vós digo
porque o que sinto
eis
homem
ofuscado pela luz
— que não clareia,
mas,
se pondo contra
o escuro
cega
e buscando integrar,
submete.
Grande é o homem
que,
bastando a si
transborda,
e nunca enchendo
não cansa
Pois,
se
deu como sentido
transbordar
como meio,
caminhar
e
como
fim
ser grande
assim,
ultrapassa
o ser pequeno
e o nada
infinito
escreve a história
sabendo
o que faz
e arranca os chicotes
para tê-los
como cinto
O aproximar da loucura
Foi
em uma noite
escura e fria
transtornado por ser
eu gritei
conversei
sozinho
com roupas no varal
— que a
mim pareciam um galo
com uma bicicleta infantil
— na
qual enxerguei dinossauros
com pequenos brinquedos
— que se
me assomavam o horror
com seu baixo murmúrio
e com sua pequena existência
acossavam-me
eu,
consumido
pelo delírio
pela embriaguez
e pelo narcótico
disse-lhes
ora,
não
me atormentem
porque,
as
coisas não falam
objetos nada dizem
brinquedos e roupas,
pois
falar,
pensar
e com graça mover-se
são ações dos homens
os mesmos que a vocês criaram
Mas eu estava indefeso
se com as coisas
conversei
foi pelo pânico de estar
absolutamente sozinho,
absolutamente
mesmo cercado
em uma festa
dezenas,
homens
e mulheres
Minha obsessão
me fez falar comigo
pelas coisas
se foi loucura da mente
lapso da razão
explodir do sentimento
ou pura alucinação psicotrópica,
vos digo,
caneta
e tinta,
papel e caderno
razão e inconsciente
eu e a eu mesmo
não posso dizer.
Posso ser internado,
preso comigo
— sozinho.
e a toda hora
todo dia
sozinho direi
Mas
essa
fraqueza
eu não posso
e este medo
eu extirpo
é como longa
e profunda experiência
que vejo
é como inspiração a este inscrito
Talvez,
como
o despertar
de uma nova era interna
terrível
ou
bela
ou ainda
lago de Narciso
que
belo
em aparência
carrega
a Morte
do escondido por si
na profundeza
das águas
permanentes
e plácidas
do escuro horrendo
do não ver
não ser
e não pensar
(p. b.)
exp. 25/07/2008
escrito 27/07/2008, 14h09, Ribeirão
Preto
Do sofrer
Ai do homem
que não possui chão
suficiente para seus pés
ai do homem
que não encontra abrigo
em suas crenças
construídas com tijolos
trincados
ai do homem
pois mesmo com chão
tem seus pés quebrados
ai do homem
ai no mundo
à deriva
lutando para controlar
a inconstância
o perigo
e
a força da vida
homem
a
deriva
sempre exposto
ao alheio a si próprio
barco perdido na fúria maritima
viajante sobre ponte tênue
cidade sofrendo terremoto
ave com asa quebrada
avião em tempestade e turbulência
ai do homem,
ai
que um dia ele se firme
que certo de si
encontre no constante
devir
sua
morada
e sua força
que podendo,
estabeleça
e embarque,
seguindo rumo a próxima dor.
27/07/2008, Ribeirão Preto, 20h19
Sem título VII
Sinto
a
morte dentro de mim
ela me chama
provoca
seduz
embora sejam seus contornos belos
e sua perspectiva,
não posso negar,
agrade,
a
renego.
Pois
não
sinto
que tenha soado
minha hora
tampouco,
que minhas tarefas
entre os homens
tenham se dado
e completado
se ela,
em
seu intenso desejo por mim
mostra suas pernas,
seus seios
e seu sexo
quando eu a busco contrariar
ela mostra
os dentes,
as garras
e as armas
resistir as suas tenção
é
resistir a seus perigos
porque a rosa tem espinhos,
e a boa comida engasga
e o bom vinho afoga
se-me reforço,
pois difícil o combate
a travar.
se duro o inimigo,
duro serei
até que me sinta pronto,
até que me canse
até que seja sinta minha hora
27/07/08 22h30
Sem título VIII
o menino era novo e macio
vivia com o mundo
e
ele mesmo tinha seu mundo
mas,
um
dia veio
o espinho
furou-lhe o dedo
cravou-lhe a carne
o peito
a
mente
nunca mais se recuperou
tornou-se homem
murchou,
encolheu
ainda que vicejasse,
crescesse
o espinho tomou
e adiantou-lhe
forças
pois agora homem,
duro rochedo de granito
lábio cerrado
e seco.
Perpassado.
inverno de 2008
Sem título IX
Calçada
rua
calçada
homem
máquina
homem
o pânico,
apossou-se das pessoas
não se diz: medo
há uma guerra em andamento
todos contra todos
tudos contra tudos
há pânico nas ruas,
nas calçadas
há o que o camufle,
há o que anestesie
e há,
também,
o que o faz emergir.
inverno de 2008
As rédeas
Venha
moço
venha
Venha
moça
venha
o mundo é grande
e nos chama
Venha fazer-lhe frente
encarar o deus
cuspir-lhe na face
afrontar o burguês
seus dedos
e cérebro
venha homem mulher
nada nos há de limitar
vamos tomar tudo de assalto
vamos saltar
brigar
bater
vamos arrancar
cortar fora a mão torpe
exercitar-nos
venha
vamos tirar nossas calças,
cuecas
calcinhas
quebrar as cátedras
as igrejas
as televisões
superar o mundo todo,
superar o universo
não parar,
não nos deter
vamos corroer as grades,
as
produções
Por isso tudo,
venha
somos a força
a origem
e a correia
venha
vencer
o medo
e o mesquinho
venha
arrancar
a vida
do laboratório
pô-la nas ruas
arrancá-la de imagens
textos
pensamentos
fazê-la viva
se tenha,
ultrapasse
quebre aquelas forjas,
sê forja tua
quebre aquelas forças,
sê força tua
venha,
sejam
todos um
e seja
um
todos
é o futuro em questão
é o adiante
os séculos
as
eras
apague o sol
faça outro
destrua a lua
engendre nova
enfileire
assuma
supere
mude
transforme
revolucione
alcance
02 de agosto de 2008
Preâmbulo
O passageiro
fumava no mirante. Ao longe via
passar milhares de carros no horizonte; ônibus, fumaça negra que se juntava com
fumaça branca
um viaduto.
trens parados na estação
na rodoviária, intensidade e
movimento.
pessoas andando rápidas, como em um
filme.
no interior, turbulência, também
três mil e quinhentas coisas
o mundo, capitalismo, sexo,
política, saber, medo
o roda-roda, as coisas
torpedescamente voltando, rolando sobre si
no externo, o profundo refletido do
interno.
o não sentido
era o quarto ou quinto cigarro na
hora
eram sete horas da noite
o dia estava nublado após o grande
sol da tarde
o ano confuso em seus meandros,
datas e configurações
mas o mundo nunca para de rodar, o
universo de crescer e o abismo de aprofundar
não há calendários ou previsões
possíveis
as coisas são instáveis como são
e o psíquico dança com a chuva e treme com e pelo raio
a fumaça fenece no pulmão
já o cigarro nunca reclama de suas
faltas e nunca se rende frente ao indeterminado
não pergunta os nomes
ou de sua vida
tampouco força a passagem com sua
brasa ou lhe faz incorrer em desespero durante a presença.
sua falta fere, no entanto
mas completa enquanto dura
acalma, enquanto pode
mas falta
se completa
é porque falta?
porque
falta?
Ausência
ou
quebra da regra?
vácuo
ou
estrondo
vida,
morte,
capitalismo.
Outro cigarro
chacoalho,
acaba o gás do isqueiro
acaba o que dizer.
termina.
passa
como
com
a
vida.
campinas, 23/08/08
Telegrafia
Quando eu tenho 21 anos
me sinto
como
nunca senti
pq sinto as asas crescidas
e o cérebro pulsa com as coisas
as idéias pulam e não sossegam
e eu vibro com a idéia de continuar
a existir
o mundo é vasto
e o horizonte nunca termina
o céu é sempre novo
e cada esquina guarda todas as ex
periências q o durar da noite pode
proporcionar
no sol brilhar alto, a noite vagar
nas
sombras fugindo da lua e do vento
uma ou duas coisas mudam a mente
e os anos prosseguem
c/ + e + novidade
e viver é estar nisto td
e passar pelo turbilhão
erguido, ignorando o q se deve
renovando dia a dia
se liberando das pressões
desfazendo dominações
se impondo a si
se saindo
preparando
p/ o q ñ aguarda
+ q o suficiente
Marília, 14/08/08 17h 11 minutos
Essência do ser
Há tempo
em que nada basta
o todo é vazio
o cotidiano devora
a burguesia completa,
a pobreza avalia
e a solidão cimenta,
solidifica
então,
a
cabeça se abaixa,
a vontade fenece
emerge o mais puro nada
e não se quer,
não se experimenta
resignação e sobrevive-se.
Se não aumenta diminui,
talvez não em relação a si
mas ao outro
Quando o animal não cresce,
envelhece
e se a macieira cessa o fruto.
o machado transforma-a em lenha.
Afinal,
quando
o furor diminui,
e as pessoas são compreendidas
como desejantes,
e o mundo,
plenamente externo,
é plenamente outro
as coisas mudam,
a bússola quebra
e não há companheiro na luta.
Advém todo o mundo.
Confronto muito alto
Então,
o
desespero
Então,
porta
de entrada.
A perdição
Então,
aquilo
que se evita
Os rostos se desfazem com a
história,
o corpo virá pó na terra.
mas
nunca
para o mundo de dar-se
e a sociedade nunca interrompe seu
processar-se.
as coisas
sem sobrar
sobram
e no fim pouco resta de tudo
o mundo dói
a verdade das coisas:
não há tetos
ou
chãos
quando se busca fundo,
petróleo ou água;
não o fundamento do ser,
a essência do universo
ou os objetos mesmos.
segundo semestre, 2008, Marília
Outrora amigo
Enquanto tocava,
eu observei
quando parou,
continuei a observar
Hoje,
que
já faz anos,
ainda observo
porque olhei com tais olhos,
e tantos pensamentos surgiram
e todas as ações foram pensadas
aqueles olhos que eu tinha
eu via muito além
enquanto eu escrevo,
toca
no passado me prendeste
De qualquer modo
conforma.
Às vezes pára,
outros ruídos
nada
a dizer,
mas volta,
sempre mantendo-se
não pára nunca,
porque não pára nunca
tomo o café
mantendo a duração
do mesmo
Marília, 23/10/2008
O animal
Aquele mesmo animal
Aquele que Pode e Conhece
Sabendo das coisas do mundo,
foge
Sabendo do que diz e faz o
Outro, ignora, resignado
com a maciez de seu próprio
travesseiro, seja de plumas
ou carne. Franco e forte, às vezes
busca e noutras não, apagado
destituído de seu trono metafísico
vagueia buscando alternativas as
quais o mundo não pode dar
e ninguém, e nada também
pode, somente deus ou a própria
matéria
Nisto ainda perturba-se com as
pequenas coisas, fixa-se nas pintas
do rosto ou na dureza das nádegas
ou ainda na beleza dos seios, nas
idiossincrasias do púbis ou nas
cores
da pele.
Por isso fraco e forte, grande e
pequeno
Maior e menor
Perdido,
e encontrado
Tuas palavras
Ao me dizer aquilo
quando eu entendi no profundo
quando adentrou,
quando tuas palavras
foram sentidas com toda
força do significado
não sabia, ainda não sei o que
fazer
dói, doeu
quedará doendo por dias
mentiu,
Para se manter em pé
o nariz restando cova aberta para
frente
e teus braços permanecidos u ao
contrário
e tua cor da mistura perfeita das
coisas
teu cérebro feito público pelo de
todos
hoje, me ignora,
e aquela amizade que contávamos e
tinha
mos e todos diziam dela, pois
amizade rival e filosofia
as tuas vontades contidas
e teu intelectualismo ao qual falta
ação
mentiu.
não que doa sozinha a mentira
ou eu, moralista que não sou
lhe condenando por sua
desonestidade
A questão é o motivo,
a questão é que agora vejo,
não fomos amigos
e
de nada valeu,
pois tão simploriamente,
por
motivo tão fútil
por questão tão pequena
por baboseira do cotidiano
mentiu.
como doeu,
como dói.
não lhe procurarei, no entanto
o dano foi teu
se eu perco e tu perdes
eu sustento,
como sei que tu também sustentará;
eis o fim,
eis a falta que não não se apaga
e qye tampouco pode ser facilmente
preenchida
porque se tratava de política
de amizade
de filosofia
e de arte
e de mim,
e de ti.
apartado,
então,
que assim quede,
prossiga o tempo a hist-
ória e as forças
rumo ao fim
que a morte
e
que tudo torna igual
25/11, 01/12, 2008
A tribo
Só quando há homens e mulheres
o dia do grupo
homem,
animal
que não só
pois a língua une,
a lei e o costume
a arte, a letra,
a fraqueza física,
a vontade
mas também,
a fome o frio a doença o medo
a
dominação
condenado a ser a si próprio,
enquanto depende do outro
liberdade na dependência
autonomia na escravidão
eis homem,
eis mulher
é a vida do grupo
comendo com aqueles que se convive,
no ritual que lava
e
prepara o alimento
ou dormindo com os íntimos,
acordando
à noitinha
olho
fechado, sobe barriga
desce
barriga
falar sozinho e tu a ouvir,
às
vezes ronco
ou susto do pesadelo que faz
levantar súbito
ver a nudez,
vestida ou não
e poder confiar,
sem que o leão da traição
ruja ou os fios desta juba
minimamente brilhem na
possibilidade
ou de costas, permitir a presença
da facaou
da arma que rápida podem matar
e comer o que se lhe é dado
sem
o temor do veneno
ou a água que bebe,
que quantos já não fez tombar
Mais ainda: dizer das coisas que se
pensa,
ouvir o que aflige
também, união contra o que ameaça
ou desagrada
prazer
em estar e poder a sinceridade
que
o mundo pede, nega e castiga
além,
andar
sozinho sem temer o perigo do
animal
que preda
ou a fúria cega da natureza que não
enxerga
ainda
que os olhos abertos
acordar sozinho
mas saber-se acompanhado
é o apoio e a força,
pena que decepada e perdida
e incompleta na dominação que há
e indesejável pela dominação que há
restrito ao
grupo menor
ou
a si quando não proibido
Fragmento
O mundo dos idiotas
dos presos,
o mundo do arreio
o mundo de fato, real
do comércio, das religiões dos
patrões
da dominação
do lobo é o homem do lobo
condena a solidão quem pensa
faz do poeta
nada
o reduz a destroços
fá-lo chorar, querer outra vida
o derruba, o destrói
A busca pelo par
Há tanto tempo eu procuro
mas não encontro nunca
não
merece o homem repousar entre os seus?
olho aberto,
aqui e ali
olho vivo que não pára
ouvidos atentos
e
o nariz sempre alerta
na busca daquele
na busca daquela
dos dois
e
de mais uma
é
que o cheiro importa tanto quanto o olhar
que pára, vislumbrado
em estar sendo olhado
a cada vez
que penso terminada a busca
eis que me frustro
eis que me desfaço
quase resigno e paro
porque deve ser filosófico
beleza
e força
deve desconcordar com as coisas
deve querer superá-las
ao me ver,
deve não só o corpo olhar
mas profundo,
mas profunda
ouvido, olfato e visão
paladar da minha língua
tato do corpo,
mas,
mais importante
tato da alma
pelos deuses em que não acredito!
esta busca me consome
não ver refletido
jogar e ação sem retorno
frustração,
agonia pela falta
mas sei que h´´a
sei que em qualquer esquina
e vizinhança
sei que em alguma estação
ou ponto de ônibus
eu pararei,
os olhos verão
pum-bum, pum-bum, pum-bum
o aroma,
saliva na boca
correspondência
então brotará luz e força de nossos
ventres unidos.
Uma boa noite
Tua auréola rosada acariciou
O
céu da minha boca
A firmeza de teus fartos seios
A
vergonha de teus olhos
E
a falta de luz de tudo
Enquanto minha língua rodava,
Enquanto teus olhos subiam,
E
indo e voltando
E
a rapidez crescente
E
o barulho das vozes incontidas
Até
que repuxou
Até
que repuxei
Até
que ele repuxou
Os três,
então,
soltamos.
E esta foi uma boa noite.
O pânico
Por todo lado eles mentem
mas quando se vê depois
depois deles,
atrás da mentira
— não lhe perdoam
querem arrancar-te os olhos
ferver suas vísceras
no molho que chamava tu de cérebro
nas páginas dissolvidas em cal
do que chamavas teus poemas
e tua filosofia
se contentam com essas pequenezas
— e são todos
querem somente mais um dia
mais uma reclamação
outro motivo e mais um
contentados com nada
fracos,
sequinhas
e sem um pelo
moles
e sem ânimo
destruídos,
acabados
mas prosseguindo
e vendo ao contrário!
e odiando quem ao contrário
ao contrário vê
e que não se deixe comprar
porque prefere morrer a agachar
porque não é pombo de contentar-se
com o
mínimo das migalhas
porque não é lasso,
vendido
porque é solitário e o rebanho
odeia
tolos: na tumba todos são
solitários
Mãe
mãe minha
mãe minha
porque me paristes?
este mundo —
não mãe,
eu não o mereço
não mãe —
porque queres me castigar
mãe,
quantas
coisas me dizem
quanta falta,
e quanto medo
mãe,
e
que selvageria indizível
vontade de correr para o alto
e
depois do mundo
mãe,
vontade
de chorar até me secar
inteiro
não consigo dormir
então bato os dentes à espera
não há como fugir
mãe,
então
devo encarar?
é
inevitável?
ah,
mas
eu posso mãe?
sou
tão frágil
e
sou um só —
ainda que casado com quinze filhos
e novecen
tos colegas e sete mil e trezentos
amigos
mãe,
mãe
mas,
não
é melhor me evadir?
a cada esquina há oito igrejas
a cada quarteirão um puteiro
em cada casa uma televisão que me
mostra
o mundo sem que eu o veja
em cada loja, em cada produto, em
cada
tostão e centavo
posso fugir em tudo, e por tantos
meios
mãe,
não
é isto tão mais fácil?
por que encarar,
por que me ver,
por que me olhar nos olhos
de frente e sem óculos
sem piscar nem observar acima
abaixo ao
lado ou atrás?
mãe, tenho tantos anos
me
dizem adultos,
mas sou frágil,
mãe,
como sou frágil
todos o são, mas devemos encenar
não divina,
mas humana comédia
mãe,
quando morrer,
quero rosas e cravos
quero a sagração como música,
mãe
a polícia lhe assassinou, mãe
os patrões lhe roeram os ossos,
tornaram mole tua carne
mãe,
o
estado cobrou-lhe a vida inteira
e morreste na fila
pela
bala que ajudaste a pagar
mãe,
teu
caixão era madeira de caixote de feira
tua tumba,
um
buraco obsceno
cavado
às pressas
no
fundo do cemitério
mãe,
mãe.
Que miséria de vida
que conforto em fugir e fingir
vontade de correr e que medo em
ficar
mãe: estou completamente perdido
Ribeirão Preto, 24 de dezembro de
2008
Cantiga de Natal
Aleluia,
aleluia,
aleluia
aproxima-se o dia
em que, de fato,
mataremos o Cristo
aleluia,
aleluia,
aleluia
sem salvadores,
sem além-mundos
sem fora-mundos
aleluia,
sem pecado ou condenações de
preconceito
oh,
aleluia
sem igrejas que manipulam
e se valem dos medos para
perniciosamente se impor
oh,
graça
e aleluia
quando nenhum homem se sentirá
abjeto
pelo fato de ser homem
quando ninguém verá no prazeroso
sexo
pecado
quando ninguém se curvará a imagens
a ídolos
quando
ninguém acreditar em
historietas
infantis,
em
imaginárias
entidades
sobrenaturais
em outra vida,
em alm a
para sempre aleluia,
dez milhões de vezes
aleluia
& boa morte cristo
pois nós queremos
é uma boa vida
Ribeirão Preto, 25 do 12 de 2008
Sem título X
deitado em minha cama
enquanto o vento lambe minha nuca
e eu esperando que algo ocorra
três séculos, mudaram os ricos e
os riscos também, mas as pessoas
pensam
igual, e a covardia não diminuiu
sua sanha
do chão do asfalto citadino
continua a
crescer um mato verde-fosco chove
agora e
mudou o cheiro do vento é noite e
está fresco
a caneta com a qual escrevo é nova
sua tinta
azul e sua ponta fina escuto Mozart
tocando
uma bela música que inspira um jogo
de cartas
estou sozinho no quarto minha mãe
dor
me na sala é fim de ano lá fora a
gata na rua
os morcegos voam e há uma barata
escondida
hoje eu li Platão Pound Guinsberg e
Solomon
meus livros de Pessoa não estão
aqui senão leria Álvaro
de Campos que seria inspiração
neste quarto hospício
Enrolo antes de dormir, a luz está
acessa e já
se divisa a aurora, pena que
somente doutro dia
de outra era ou outro modo de
pensar de todas as pessoas
três séculos e se pensa ainda o
mesmo cão do cú
eu não agüento mais este fim de
mundo mental deste pla
neta na periferia do universo eu
quero a grande
za de algo maior que não existe senão
na poesia
Ribeirão Preto, janeiro de 2009
Sem título XI
Alguns anos me separam do último texto que escrevi. Não
sinto mais a força que me impelia à caneta e ao papel, e, antes disso, a ideia
e o sentimento. Não mais, não. Antes, o pensamento disperso e fragmentado,
busca subterfúgios na poesia, dinâmica, rápida e direta; o texto, ao contrário,
demanda uma urdidura de sentido a qual eu não posso mais me submeter; o texto
requer tamanho apego, causalidade e linearidade que minha mente, confusa,
dispersa pelas drogas, não pode fornecer. É injusto dizer das drogas; é que
quando eu escrevi, o mundo não havia se mostrado, eu não o sabia, eu não o
imaginava, tampouco podia com ele.
janeiro de 2009
Sem título XII
Muito bem:
já faz um mês que não lhe vejo
escuto tua voz
e teus olhos e
boca
pequena
que eu não
gosto
mas gosto tanto
Um mês!
no
tempo dos bancos e
dos malditos ricos
no interno: faz oitocentos anos
enquanto faz dez minutos
parece que entra sai
e
sai entra
não sexo: a lembrança
e a vontade
— a
imaginação
Há tantos anos
eu espero
Às vezes fecho os olhos e ainda não
te vi
— quando abro
estou a espera
e roendo as unhas
tantos anos
espero que desta vez ocorra
espero que dê certo
que frutifique
e
acordemos juntos
eu não fumo mais então não
acenderei um cigarro
mas ainda assim
eu estarei lá para segurar as
pontas
e vc
se
quiser
estará também
e contaremos um com o outro
faz tantos anos que te espero
aquele chavão: mesmo sem te
conhecer
não sei teu caso
mas quando entraste pelo saguão
vermelhas tuas vestes
quando olhou
eu vi
e havia lido uma velha peça com seu
nome
quando olhou!!!
mas,
e especialemnte,
quando ouviu provou e disse
esteve ali e lá
e eu esperando
ainda que teus dedos emaranhados
sobre outr
as bandas e tua unha com restos de
outra pele
pêlo, cheirando um perfume estranho
ainda assim, eu estive lá, e ainda
estou:
segurando
as pontas
Ribeirão Preto, janeiro de 2009
Intróito
A profecia. Dizer hoje o que se passará amanhã, ou depois, ou ainda mais
adiante e um dizer que não se comprova no imediato, mas somente em outro tempo
que agora. Portanto, não dizer da certeza, mas do possível.
Palpite, assim.
Tantos são os poetas que se fizeram adivinhos, ou que somente dizendo do
devir, acertaram. Outros tantos, o mesmo fazendo, erraram e erraram.
De qualquer forma, não é disto que se trata. Antes, é poesia de desejo
profundo de agir; mas que, vendo-se tolhida da ação mesma — que envolve suor e
sangue —, por motivos tantos, se expressa no imorrível e na letra e na plena
possibilidade que ela permite.
Não é programa ou dizer ao outro o que fazer.
É dizer de si, a si, como agir, e o que deve advir se si mesmo for o que
mais pode.
Se dando como força, congela o presente no futuro que se deseja e se põe
hoje por ele.
Não enfraquece a si ou voa. Põe-se no estrito hoje e canaliza este que
que sucede, o amanhã.
A linguagem é profética.
Profesia
[ordem de publicação]
a caminhada
a escrita
a lembrança
o ser
o aviso
o interior
o dia
song for myself — today
sermão da trincheira
do homem, da mulher
o dizer do sentido
a escada
exéquias a Maiakóvsky
a escrita
a vida das pessoas
[fim do manuscrito
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