sexta-feira, 14 de junho de 2019

Sobre o livro "A invenção do filósofo ilustrado", de José Roberto Sanabria de Aleluia

O livro "A invenção do filósofo ilustrado", de José Roberto Sanabria de Aleluia, se propõe a elaborar uma análise de cariz foucaultiana sobre a formação do ensino de filosofia no Brasil, ensino este, como se sabe, profundamente marcado pela vinda da missão francesa ao Brasil, na quase centenária década de 30. Esta missão de intelectuais franceses, que acabaria por contar com professores de peso como Lévi-Strauss, Braudel e Granger, tinha como função formar quadros nacionais para a nascente sociedade urbano-industrial brasileira, tal qual é sabido. Em seu livro, Sanabria Aleluia passa em revista, primeiramente, a problemática metodológica foucaultiana, questão espinhosa, para a qual há múltiplas respostas. Para Sanabria Aleluia, haveria uma continuidade de método em Foucault, o que lhe permite caracterizar Foucault não na oposição arqueologia-genealogia, como quer Dosse e outros, mas na linha de continuidade arqueogenealógica. Destarte, Sanabria Aleluia confere a Foucault uma unidade metodológica, a qual pode ser contestada nos textos do próprio Foucault, talvez; mas o mais certo é que se trata de polêmica interpretativa, e o autor tem suas convicções filosóficas próprias. Após empreender os acertos metodológicos necessários com a genealogia e a arqueologia, o autor lança a hipótese da concordância entre a episteme moderna, descrita por Foucault, e as transformações no campo das ideias pelas quais passava o Brasil de final do século XIX, começo do século XX. Crítico do liberalismo entranhado na sociedade brasileira no começo do século passado, Sanabria Aleluia aponta qual seria o projeto de educação de então (a partir da obra de Roque Spencer Maciel de Barros), focado na formação de uma elite ilustrada, que guiasse o país rumo ao seu desenvolvimento, dando às costas a maior parte da população, iletrada e "bestializada", no dizer de José Murilo de Carvalho. A função das reformas educacionais, tema candente na República Velha, e mesmo, no pós Revolução de 30, teria sido orientada por um espírito elitista, desconsiderando os saberes efetivamente populares, como aqueles oriundos do campo sindical, sendo que este provocava temor entre as capas dirigentes, na forma do marxismo e do anarquismo. A função da universidade seria formar, elites bem pensantes, que modernizariam o país, encontrando nas camadas médias seu repositório. Os debates de então teriam sido presididos pelo elitismo, pela necessidade das reformas, e pelo diagnóstico de uma decadência que teria tomado o Brasil de antanho quando da proclamação da república e da lei áurea. É neste termos, ao menos, que se expressa Júlio de Mesquita Filho, um dos principais articuladores da criação da USP, prócere da mídia brasileira, cujo  nome batiza a UNESP, onde Sanabria Aleluia fez seus estudos. Ironia do destino, ao menos, que um crítico do modelo de Mesquita estude nesta universidade; mas damos razão a Sanabria Aleluia, que desnuda o elitismo e, mesmo, o ódio de classe dos supostos liberais brasileiros coetâneos à criação da USP. O autor analisa, posteriormente, o discurso de um dos pioneiros da filosofia institucional no país, já fora da república dos bacharéis, Jean Maugue, integrante da missão francesa que veio colonizar estas terras e inseri-las no mundo das letras. Maugue, se filiando à tradição de Kant, prescrevia um ensino do filosofar, ao mesmo tempo que se calcava no método histórico de aprendizado, ajustando-se bem ao projeto de universidade de elite, que presidiu a formação da USP. Sanabria é claro: somos reféns, ainda hoje, deste modelo. Não do modelo de universidade, que passou por importantes transformações nos quase últimos vinte anos; mas do fazer filosófico, preso no método historiográfico e que não conseguiu fincar raízes nesta terra brasilis, terra de aventureiros, como mostrou Cruz Costa, mas também de cativos de outras paragens.

ALELUIA, J. R. S. de; A invenção do filósofo ilustrado: notas arqueológicas sobre o ensino da filosofia no Brasil, SP: EDUNESP/Cultura Acadêmica, 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário