Seleta de poesia
Felipe Luiz “Guma”
Marília-São Paulo
2005-2014
A indiferença
Quando os dias não se diferenciam
é porque a terra perdeu o gosto
e o cigarro não verte mais fumaça
quando os dias não se diferenciam
a pele ressecou
a saliva é grossa
e os dedos não podem mais agarrar
quando os dias não se diferenciam
o enfado tomou tudo,
o céu já não tem cor
e as horas são tic-tac
quando os dias não se diferenciam
o sentido tornou-se tonelada
voltado sobre si,
o homem apodrece
quando os dias não se diferenciam
o sol é somente uma lua brilhante
e o satélite não mais que
o sol apagado
quando os dias não se diferenciam
os músculos tornaram-se moles
e a carne não opõe mais resistência
quando os dias não se diferenciam
nem as lágrimas podem cair
porque isto já seria diferença
quando os dias não se diferenciam
não há nada,
nada há
quando os dias não se diferenciam
a indiferença mata os dias
Marília, 2009
Quanto aos ricos
Na guerra
quem ganha
são os ricos
Na paz
quem ganha
são os ricos
Na pobreza
quem come
são os ricos
Na fartura
quem usa
são os ricos
No dia-a-dia
quem lucra
são os ricos
No extraordinário
quem fatura
são os ricos
Na fome
quem se empanturra
são os ricos
Na morte
quem ri
são os ricos
Na vida
quem vive
são os ricos
Na terra
quem anda
são os ricos
No céu
quem voa
são os ricos
com chuva
quem se agasalha
são os ricos
na seca
quem se molha
são os ricos
são os ricos
são os ricos
são os ricos
quem faz os ricos?
são os pobres
são os pobres
são os pobres
Marília, 16/03/2009 13hs
Liberdade moderna
polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia livres? polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia
Marília, abril de 2007
A por ética
Estou farto do cu comedido
do cu bem comportado
do cu funcionário público com de
[expe
[diente, protocolo e manifestações de apreço
[ao sr. Diretor
do cu bem comportado
do cu funcionário público com de
[expe
[diente, protocolo e manifestações de apreço
[ao sr. Diretor
abaixo os curistas
as palavras cu
as coisas cu
todas as pessoas cu sobretudo os barbarismo universais do cu
os objetos cu
as palavras cu
as coisas cu
todas as pessoas cu sobretudo os barbarismo universais do cu
os objetos cu
todas as construções cu sobretudo as
sintaxes cu de exceção
todos os ritmos cu
sobretudo os incumeráveis
sintaxes cu de exceção
todos os ritmos cu
sobretudo os incumeráveis
estou farto do cu namorador
cu não político
cu raquítico
cu sifilítico
cu não político
cu raquítico
cu sifilítico
de todo cu que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
fora de si mesmo
de resto não é cu
será tábua de cussenos secretários da amante
será tábua de cussenos secretários da amante
cu exemplar
cu com cem modelos
cu de cartas
cu e as diferentes maneiras de agradar
cu e as mulheres
cu e etc.
cu com cem modelos
cu de cartas
cu e as diferentes maneiras de agradar
cu e as mulheres
cu e etc.
quero antes o cu dos loucos
o cu dos bêbados
o cu difícil
o cu pungente dos bêbados
o cu dos clowns de Shakespeare
o cu dos bêbados
o cu difícil
o cu pungente dos bêbados
o cu dos clowns de Shakespeare
não quero mais saber do
cu
cu
que não é libertação
[peidei]
Marília, verão de 2013
Gozar
e mais nada!
a chuva cai,
a música acaba,
o universo sobre o próprio cú gira,
e nem as lembranças ficam,
etc.
e mais nada!
a chuva cai,
a música acaba,
o universo sobre o próprio cú gira,
e nem as lembranças ficam,
etc.
Marília, 2013
Cândido ou espiral do tempo histórico
Vivemos no melhor dos mundos possíveis
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor
Vivemos mesmo
Vivemos
Vivem
Vive
Vi
Vive
Vivem
Vivemos
Vivemos no
Vivemos mesmos
Vivemos no melhor
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor dos mundos possíveis —
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor
Vivemos mesmo
Vivemos
Vivem
Vive
Vi
Vive
Vivem
Vivemos
Vivemos no
Vivemos mesmos
Vivemos no melhor
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor dos mundos possíveis —
Etc.
Marília, 2008
O sorriso do meu amor
Quando ela ri para mim
vejo a gema de um ovo
vejo a gema de um ovo
e quando ela ri para mim
quero arrancar-lhe a cera
dos dentes
quero arrancar-lhe a cera
dos dentes
porque ela não ri para mim
e ela está nas ruas e nas praças
e não deve rir
e ela está nas ruas e nas praças
e não deve rir
se ri, é de empacada
não há como rir
não há como rir
mas o sal
é caro
e economia é tudo que se quer
dela
pouca economia
e toda a economia
é caro
e economia é tudo que se quer
dela
pouca economia
e toda a economia
é hoje:
hojeriza é hoje.
hojeriza é hoje.
Franca, 2006
Acadêmica
Conheci certo dia, torpe universidade
Havia professores, estudantes
Mas ali o que mais havia: iniqüidade
E ali o mundo de antes
Havia professores, estudantes
Mas ali o que mais havia: iniqüidade
E ali o mundo de antes
Todos os raciocínios redundantes
Pouco de militante
As condições eram gritantes
O prédio, jazia inflamante
Pouco de militante
As condições eram gritantes
O prédio, jazia inflamante
E por desculpa demente
Expulsou-se grupo premente
—E por isso houve deleite—
Amantes do que não se entende
Expulsou-se grupo premente
—E por isso houve deleite—
Amantes do que não se entende
Franca, 2005
Dita
Dura
Esmurra
Surra
Sua
Dura
Esmurra
Surra
Sua
Se dita, é duro
Não,
Urra
Não,
Urra
Marília, abril de 2007
Sobre a polícia
Cassetete
À tete
Classetete
Classete
Sete clás
ás (de espadas)
À tete
Classetete
Classete
Sete clás
ás (de espadas)
Marília, 2007
Dura coxa
bela perna:
coroa a caverna
bela perna:
coroa a caverna
pêlo belo
belo pêlo:
acima do joelho
belo pêlo:
acima do joelho
Marilia, 2013
Tua auréola rosada acariciou
O céu da minha boca
A firmeza de teus fartos seios
A vergonha de teus olhos
E a falta de luz de tudo
Enquanto minha língua rodava,
Enquanto teus olhos subiam,
E indo e voltando
E a rapidez crescente
E o barulho das vozes incontidas
Até que repuxou
Até que repuxei
Até que ele repuxou
Os três,
então,
soltamos.
E esta foi uma boa noite.
O céu da minha boca
A firmeza de teus fartos seios
A vergonha de teus olhos
E a falta de luz de tudo
Enquanto minha língua rodava,
Enquanto teus olhos subiam,
E indo e voltando
E a rapidez crescente
E o barulho das vozes incontidas
Até que repuxou
Até que repuxei
Até que ele repuxou
Os três,
então,
soltamos.
E esta foi uma boa noite.
Marília, 2009
Ode ao Bigode
Ó Bigode,
my god,
Se fosses ogro,
chamar-te-ia "Bigodo",
mas, em sendo gente,
saúdo-te, chamo-te de meu parente,
e, alegre, clamo pela tua vitória,
ó afamado pensador da escória.
Nesta mais escura hora
não dispersa, não chora:
aguarda, que o mundo ainda melhora.
Não nos espera nenhuma tristeza:
aos grandes, destino reserva a maior glória.
my god,
Se fosses ogro,
chamar-te-ia "Bigodo",
mas, em sendo gente,
saúdo-te, chamo-te de meu parente,
e, alegre, clamo pela tua vitória,
ó afamado pensador da escória.
Nesta mais escura hora
não dispersa, não chora:
aguarda, que o mundo ainda melhora.
Não nos espera nenhuma tristeza:
aos grandes, destino reserva a maior glória.
Marília, Inverno de 2014
Sampa
O Tietê adensa
A sujeira da metrópole
Onde corre
Sobe o sol
Desce a sina
Sob o sol:
Aí tu te inclinas
Aí te afugentas
Perante teu destino
E sofres sofrêgo
As agruras do mofo
Do mundo que emudece
Do rio que corre
Do sol que desce
Da gente que morre
Da dor que esqueces
A sujeira da metrópole
Onde corre
Sobe o sol
Desce a sina
Sob o sol:
Aí tu te inclinas
Aí te afugentas
Perante teu destino
E sofres sofrêgo
As agruras do mofo
Do mundo que emudece
Do rio que corre
Do sol que desce
Da gente que morre
Da dor que esqueces
São Paulo, verão de 2013
Diagnóstico
Tempos sombrios se assomam,
Amigo,
Espaços se assombram,
A situação fecha,
Desenha-se o controle maior,
Não mais contras,
Não mais abrigos.
Acabou a era do ouro,
Findou o tempo do infindo,
Agora é a guerra,
Agora só o fogo,
Amigo.
Amigo,
Espaços se assombram,
A situação fecha,
Desenha-se o controle maior,
Não mais contras,
Não mais abrigos.
Acabou a era do ouro,
Findou o tempo do infindo,
Agora é a guerra,
Agora só o fogo,
Amigo.
(Marília, Primavera de 2013)
Mal-estar, hipocrisia e infelicidade
Mentira
sobre mentira
Mentira sobre mentira
Sobre mentira, mentira
sobre mentira, sobra mentira
Verdade, azia
sobre mentira
Mentira sobre mentira
Sobre mentira, mentira
sobre mentira, sobra mentira
Verdade, azia
Inverno de 2014
Pasárgada Paulistana
Para quem não sabe,
Pasárgada existe, fica ali ao lado
ao lado da Estação da Luz
onde até mesmo o diabo arqueja,
arqueja e pede à cruz
para que vele pelos viciados,
viciados que tremem, que choram ganindo
enquanto tossem plagas de sangue e pus
Pasárgada existe, fica ali ao lado
ao lado da Estação da Luz
onde até mesmo o diabo arqueja,
arqueja e pede à cruz
para que vele pelos viciados,
viciados que tremem, que choram ganindo
enquanto tossem plagas de sangue e pus
Inverno de 2014
não existe dentro fora
fora já é dentro é já fora
não existe forma conteúdo
forma já é conteúdo é já forma
fora já é dentro é já fora
não existe forma conteúdo
forma já é conteúdo é já forma
primavera de 2013, Marília
Nenhum comentário:
Postar um comentário