sábado, 15 de junho de 2019

Seleta de poesia


Seleta de poesia



















Felipe Luiz “Guma”

Marília-São Paulo
2005-2014

A indiferença


Quando os dias não se diferenciam
é porque a terra perdeu o gosto
e o cigarro não verte mais fumaça

quando os dias não se diferenciam
a pele ressecou
a saliva é grossa
e os dedos não podem mais agarrar

quando os dias não se diferenciam
o enfado tomou tudo,
o céu já não tem cor
e as horas são tic-tac

quando os dias não se diferenciam
o sentido tornou-se tonelada
voltado sobre si,
                                    o homem apodrece

quando os dias não se diferenciam
o sol é somente uma lua brilhante
e o satélite não mais que
o sol apagado

quando os dias não se diferenciam
os músculos tornaram-se moles
e a carne não opõe mais resistência

quando os dias não se diferenciam
nem as lágrimas podem cair
porque isto já seria diferença
quando os dias não se diferenciam
não há nada,
                        nada há

quando os dias não se diferenciam
a indiferença mata os dias

Marília, 2009





















Quanto aos ricos

Na guerra
quem ganha
são os ricos

Na paz
quem ganha
são os ricos

Na pobreza
quem come
são os ricos

Na fartura
quem usa
são os ricos

No dia-a-dia
quem lucra
são os ricos

No extraordinário
quem fatura
são os ricos

Na fome
quem se empanturra
são os ricos

Na morte
quem ri
são os ricos

Na vida
quem vive
são os ricos

Na terra
quem anda
são os ricos

No céu
quem voa
são os ricos

com chuva
quem se agasalha
são os ricos

na seca
quem se molha
são os ricos

são os ricos
são os ricos
são os ricos

quem faz os ricos?

são os pobres
são os pobres
são os pobres

Marília, 16/03/2009 13hs




























Liberdade moderna


polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia                             polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia              livres?  polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia                             polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia polícia


Marília, abril de 2007






























A por ética

Estou farto do cu comedido
do cu bem comportado
do cu funcionário público com de
[expe
[diente, protocolo e manifestações de apreço
[ao sr. Diretor
abaixo os curistas
as palavras cu
as coisas cu
todas as pessoas cu sobretudo os barbarismo universais do cu
os objetos cu
todas as construções cu sobretudo as
sintaxes cu de exceção
todos os ritmos cu
sobretudo os incumeráveis
estou farto do cu namorador
cu não político
cu raquítico
cu sifilítico
de todo cu que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
de resto não é cu
será tábua de cussenos secretários da amante
cu exemplar
cu com cem modelos
cu de cartas
cu e as diferentes maneiras de agradar
cu e as mulheres
cu e etc.
quero antes o cu dos loucos
o cu dos bêbados
o cu difícil
o cu pungente dos bêbados
o cu dos clowns de Shakespeare
não quero mais saber do
cu
que não é libertação
[peidei]

Marília, verão de 2013

















Gozar
e mais nada!
a chuva cai,
a música acaba,
o universo sobre o próprio cú gira,
e nem as lembranças ficam,
etc.

Marília, 2013






















Cândido ou espiral do tempo histórico

Vivemos no melhor dos mundos possíveis
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor
Vivemos mesmo
Vivemos
Vivem
Vive
Vi
Vive
Vivem
Vivemos
Vivemos no
Vivemos mesmos
Vivemos no melhor 
Vivemos no melhor do
Vivemos no melhor dos mundos
Vivemos no melhor dos mundos possíveis —
Etc.

Marília, 2008







O sorriso do meu amor

Quando ela ri para mim
vejo a gema de um ovo
e quando ela ri para mim
quero arrancar-lhe a cera
dos dentes
porque ela não ri para mim
e ela está nas ruas e nas praças
e não deve rir
se ri, é de empacada
não há como rir
mas o sal
é caro
e economia é tudo que se quer
dela
pouca economia
e toda a economia
é hoje:
hojeriza é hoje.

Franca, 2006






Acadêmica

Conheci certo dia, torpe universidade
Havia professores, estudantes
Mas ali o que mais havia: iniqüidade
E ali o mundo de antes
Todos os raciocínios redundantes
Pouco de militante
As condições eram gritantes
O prédio, jazia inflamante
E por desculpa demente
Expulsou-se grupo premente
—E por isso houve deleite—
Amantes do que não se entende

Franca, 2005














Dita
Dura
Esmurra
Surra
Sua
Se dita, é duro
Não,
Urra

Marília, abril de 2007




















Sobre a polícia
Cassetete
À tete
Classetete
Classete
Sete clás
ás (de espadas)

Marília, 2007





















Dura coxa
bela perna:
coroa a caverna
pêlo belo
belo pêlo:
acima do joelho

Marilia, 2013






















Tua auréola rosada acariciou
O céu da minha boca
A firmeza de teus fartos seios
A vergonha de teus olhos
E a falta de luz de tudo
Enquanto minha língua rodava,
Enquanto teus olhos subiam,
E indo e voltando
E a rapidez crescente
E o barulho das vozes incontidas
Até que repuxou
Até que repuxei
Até que ele repuxou
Os três, 
então,
soltamos.
E esta foi uma boa noite.

Marília, 2009












Ode ao Bigode

Ó Bigode,
my god,
Se fosses ogro,
chamar-te-ia "Bigodo",
mas, em sendo gente,
saúdo-te, chamo-te de meu parente,
e, alegre, clamo pela tua vitória,
ó afamado pensador da escória.
Nesta mais escura hora
não dispersa, não chora:
aguarda, que o mundo ainda melhora.
Não nos espera nenhuma tristeza:
aos grandes, destino reserva a maior glória.

Marília, Inverno de 2014













Sampa

O Tietê adensa
A sujeira da metrópole
Onde corre
Sobe o sol
Desce a sina
Sob o sol:
Aí tu te inclinas
Aí te afugentas
Perante teu destino
E sofres sofrêgo
As agruras do mofo
Do mundo que emudece
Do rio que corre
Do sol que desce
Da gente que morre
Da dor que esqueces

São Paulo, verão de 2013








Diagnóstico

Tempos sombrios se assomam,
Amigo,
Espaços se assombram,
A situação fecha,
Desenha-se o controle maior,
Não mais contras,
Não mais abrigos. 
Acabou a era do ouro,
Findou o tempo do infindo,
Agora é a guerra, 
Agora só o fogo,
Amigo.

(Marília, Primavera de 2013)














Mal-estar, hipocrisia e infelicidade

Mentira
sobre mentira
Mentira sobre mentira
Sobre mentira, mentira
sobre mentira, sobra mentira
Verdade, azia

Inverno de 2014

















Pasárgada Paulistana

Para quem não sabe,
Pasárgada existe, fica ali ao lado
ao lado da Estação da Luz
onde até mesmo o diabo arqueja,
arqueja e pede à cruz
para que vele pelos viciados,
viciados que tremem, que choram ganindo
enquanto tossem plagas de sangue e pus

Inverno de 2014


















não existe dentro fora
fora já é dentro é já fora
não existe forma conteúdo
forma já é conteúdo é já forma

primavera de 2013, Marília


Nenhum comentário:

Postar um comentário